ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O Efeito Ozu; Em Busca de um outro Cotidiano |
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Autor | Denilson Lopes Silva |
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Resumo Expandido | Partindo da proposta de um cinema-mundo, não se trata de discutir apenas os efeitos da globalização no cinema ou pensar como o mundo é representado no cinema, mas como o cinema cria, reinventa um mundo, como ele pode criar uma comunidade de imagens, de pessoas dispersas, em vários lugares é que a questão do cotidiano e os filmes de Ozu nos vieram à mente.
Meu objetivo nesta comunicação não é vincular os filmes de Ozu a um debate sobre a cultura e cinema japoneses mas considerá-los, num exercício de tradução cultural, uma ponta de lança para defender um cinema do cotidiano, a ser explorado a partir da categoria do neutro como Roland Barthes a desenvolveu. O neutro seria a base de um drama desdramatizado, ao invés do conflito que move a ação, na esteira da poética aristotélica, ou de uma poética do excesso, na explosão dada-surrealista-artaudiana. Em Ozu, o diálogo não é o do olho no olho, das verdades a serem desenterradas e ditas, como em Bergman. O diálogo em Ozu é tanto com o espaço e objetos quanto com as pessoas que estão nele. Talvez seja dessa forma é que melhor deve ser aproveitada, lida a formalidade e polidez das relações pessoais nos filmes de Ozu, não como espaço de fingimento e repressão, mas associadas a um “estado fraco” (BARTHES, 2003, 151), a uma “existência mínima” (idem, 157). Se a desdramatização a partir de Beckett e do Bresson de “Mouchette” seguem o caminho da aspereza, da secura, da rarefação que pode sufocar; em Ozu, a desdramatização, ainda pode ser preenchida por pequenos e breves momentos de beleza, num mundo empobrecido e marcado pelo trabalho e pelo tédio da rotina. Em Ozu o neutro remete não à indiferenciação, mas a sutis gradações de uma pintura abstrata monocromática. Me interessa pensar, para além dos seus herdeiros no cinema japonês contemporâneo, numa perspectiva comparativa e transcultural, este outro real, o cotidiano na sua materialidade, sem nenhuma pretensão alegorizante nem pelas marcas fortes da história, exemplificado pela maneira como a Segunda Guerra Mundial aparece em o clássico de Ozu -“Era uma vez em Tóquio” (1953), - sem ser sob a lógica do ressentimento, nem do trauma; mas simplesmente derivado da passagem do tempo, de continuar a viver. Talvez esta perspectiva nos abra uma outra possibilidade de transitar por seus filmes sem a referência a um estilo transcendental como o que Paul Schrader (1988) desenvolveu ao relacionar Ozu, Dreyer e Bresson. Se a recepção de Ozu e seu papel na crítica já foi mapeada, gostaria de pensar um efeito-Ozu no cinema, a começar das homenagens explícitas que foram feitas a ele por Wim Wenders, Hou Hsiao-Hsen e Abbas Kiarostami, para depois dialogar com outros filmes contemporâneos. O que chamamos de efeito-Ozu pode ser uma possibilidade de manter ainda um cinema narrativo, clássico, que não se dissolve nas experiências radicais dos cinemas novos dos anos 60, base para a proposta conciliatória do cinema pós-moderno/contemporâneo que emerge com a crise da noção de vanguarda nos anos 70. Por fim, por que (re)ver Ozu hoje em dia? Não como a sombra marcada pelo auto-controle e disciplina, mas pela possibilidade de trazer uma pouco de delicadeza em meio a um mundo de excessos de informação, falas, imagens e sons, por um desejo de uma vida mais comum mas não menos bela. |
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Bibliografia | BARTHES, Roland. O Neutro. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
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