ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Por um punhado de revolucionários: Lençóis Históricos e Presentes Fílmicos no Spaghetti Western |
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Autor | Rafael Duarte Oliveira Venancio |
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Resumo Expandido | Umberto Eco, ao analisar as diferenças entre a trama clássica Édipo Rei e o enredo espetacular moderno No Tempo das Diligências, afirma que no fílme de John Ford tudo ocorre no nível do enredo. Assim, “não há nenhuma tentativa de análise psicológica, cada caráter já vem definido do modo mais convencional possível, e cada gesto é milimetricamente previsível” (ECO, 1991, p. 22). Tal como o romance popular, o filme vem para abrandar as expectativas do público, se tornando “antes de tudo ‘popular’ porque [é] ‘demagógico’” (ECO, 1991, p. 23).
No entanto, No Tempo das Diligências é um filme ficcional e não há grandes traumas ou críticas na planificação de personagens na construção do filme. A dúvida reside em como fica a situação de enredos baseados em figuras e fatos históricos, um recurso bastante usual nos filmes do gênero western a que o próprio No Tempo das Diligências se filia. Para analisar as implicações nesse tipo de conjunção história-cinema, buscaremos a análise da construção e representação de personagens históricos em filmes western, destacando a produção europeia do gênero conhecida como Spaghetti Western. A escolha do subgênero se deve, principalmente, pela caracterização do Spaghetti Western como uma forma de simplificação do enredo do western tradicional. Essa afirmação tem como metáfora o diálogo de John Ford com Burt Kennedy onde o último resume a fórmula do Spaghetti Western como “sem história, sem cenas. Só matança” (apud FRAYLING, 2006, p. 35). No presente trabalho, veremos a construção e representação dos grupos de revolucionários mexicanos de 1910 em Spaghetti Westerns como Uma bala para o general (1967, de D. Damiani), Os violentos vão para o inferno (1968, de S. Corbucci), Django, não perdoa, mata (1968, de S. Corbucci), Quando explode a vingança (1971, de S. Leone) e Pancho Villa (de E. Martín). Esses filmes para funcionarem dentro de sua pretensão de enredo, tal como Christopher Frayling (2006, p. 78) constata, precisam se “encaixar” na “fórmula do Super-homem” (ECO, 2004) e manter uma estrutura narrativa comum dentro do gênero tal como os romances de Ian Fleming (ECO, 1991). Assim, nesse processo de adequação, tanto os eventos como a ideologia vivenciada pelos revolucionários mexicanos são aplainados, modificados ou, até mesmo, invertidos para fazerem sentido dentro de um processo onde “todos os propósitos de ‘ser’ mexicano em cartão postal aparecem aqui. (...) É México para todos os efeitos de reconhecimento e desproporção marginal; não é México para todas as contradições reais e conflitos verdadeiros desse país” (DORFMAN & MATTELART, 2002, p. 53). Ao adaptarem os eventos históricos da Revolução Mexicana seguindo essa fórmula, as obras cinematográficas criam novas configurações dos eventos e da visão atual deles – algo que podemos chamar de presentes fílmicos. Dessa forma, a presença histórica dos revolucionários funcionam apenas em sua existência como signo dentro da cultura, se conectando aos Spaghetti Westerns como algo muito próximo do conceito de Gilles Deleuze (2005, p. 129) de lençóis de passado. Esses lençóis históricos vão, assim, ganhando um caráter ontológico, tal como a leitura deleuziana de Henri Bergson nos indica, onde “só o presente é ‘psicológico’; mas o passado é a ontologia pura, a lembrança pura, que tem significação tão-somente ontológica” (DELEUZE, 2004, p. 43). Dessa forma, o ser histórico se torna antinômico com a própria personagem fílmica, tal como, por exemplo, em Pancho Villa onde o caracterização satírica do líder revolucionário se torna inconsistente com a séria façanha histórica da invasão da cidade americana de Columbus por Villa em 1916. É em exemplos como esse que podemos pensar a afirmação que “o passado nos aparece como cunha entre dois presentes, o antigo presente que ele foi e o atual presente, em relação ao qual ele é passado” (DELEUZE, 2004, p. 44), nivelando, no âmbito da cultura a diferença de grau entre lembrança e percepção. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: Ed. 34, 2004.
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