ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A reconstrução de traumas da história: a ditadura militar nos filmes da retomada |
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Autor | Eliza Bachega Casadei |
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Resumo Expandido | A modernidade trouxe consigo um diagnóstico que atesta um progressivo desligamento humano do passado, que teria perdido sua força enquanto elemento ordenador e se transformado em mera comemoração. Para muitos autores, no entanto, a falta da noção de continuidade entre o indivíduo e o passado significaria, apenas, que o modo em que este se articula na vida cotidiana muda radicalmente. Para Thompson (1998), as tradições, definidas como qualquer coisa trazida do passado, não foram extintas pela modernidade. A midiatização teria dado uma vida nova a elas na medida em que as liberta das interações face a face.
Se adotarmos a perspectiva de que a tradição representada pelos dados do passado é deslocada da inter-relação entre os indivíduos e passa a ser gerida em uma esfera midiatizada, os filmes cuja temática central são os fatos históricos podem ser entendidos como novos lugares de memória na medida em que se constituem como arranjos culturais nos quais nós imaginamos o nosso próprio passado a partir de práticas representacionais que definem concepções específicas de identidades (NORA, 1996). A partir da análise de filmes nacionais que retratam a ditadura militar, buscaremos analisar a configuração destes lugares de memória e a forma como a utilização do passado pode revelar a dinâmica implicada nos processos de re-significação da História. Iremos nos deter nos filmes O que é isso, Companheiro (1997), Zuzu Angel (2006) e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006). Através das disputas simbólicas envolvidas na configuração desta História mediada, buscaremos distinguir como a ditadura militar é interpretada por cada um deles e como essas diferentes significações contribuem para a cristalização de um passado conciliado com o presente e, em grande medida, domesticado. Em O Ano, a construção narrativa se configura a partir de um narrador enviesado da memória (EVANGELISTA 2008), ou seja, que procura outras vias de rememoração do passado que não a ditadura em si para retratá-la. A utilização do esporte como mote funciona como alegoria para a imobilidade social predominante no período e, com isso, promove uma distribuição de culpas. Isso pressupõe uma conciliação com o passado na medida em que expõe toda uma sociedade como potencialmente conivente com o regime e, portanto, como também uma extensão dos anistiados. Assim como em Zuzu, a personagem principal torna-se uma vítima indireta das violências perpetradas pela ditadura o que, em última análise, além de distribuir culpas, distribui também punições, na medida em que os ativistas políticos não foram os únicos a sentirem o peso do autoritarismo. Isso desloca o problema de uma camada política específica para uma sociedade como um todo. A conciliação do passado presente em Zuzu, no entanto, está alocada na insistência de que sua luta foi ganha, apesar de sua morte: seu legado viveria como uma força legitimadora de outras lutas no presente. Uma reconciliação diferente está presente em O que é isso na medida em que, a partir de personagens estereotipados, constrói-se um enredo que “toma de empréstimo a aura da História para referendar uma história qualquer” (PELLEGRINI, 1999). Neste contexto, com os dois grupos em conflitos postos de forma estereotipada, o conteúdo político do período se esvazia em um enredo cuja função da aventura se torna mais importante do que a veracidade dos fatos históricos narrados em si. A rememoração de eventos traumatizantes nestes filmes faz com que eles se revistam de um dever lembrar-se. (RICOEUR, 2007). Esse conceito está ligado à extração dos valores exemplares destas lembranças, transformando a memória em um projeto. Uma vez satisfeita a demanda, o passado é reconciliado. Se Arendt relacionou a conquista da memória à conquista da liberdade, a correlação só é possível enquanto este mesmo passado ainda não foi domesticado. Os filmes citados, por sua vez, a partir de diferentes abordagens, parecem cristalizar uma memória feliz (RICOEUR, 2007). |
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Bibliografia | ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
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