ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Robert Bresson, a música e seus ecos |
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Autor | Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim |
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Resumo Expandido | Os filmes do cineasta francês Robert Bresson costumam ser estudados quanto ao uso interessante de ruídos, mas não pela sua música. As próprias observações do diretor, coletadas no livro Notas sobre o cinematógrafo, sugerem uma certa reticência quanto à utilização de música em filmes.
Com efeito, percebe-se na filmografia de Bresson que a música foi usada com bastante economia, mas, na verdade, essa esparsa presença chama para ela uma atenção muito maior, ao contrário do que Claudia Gorbman (1987) observara em relação ao cinema clássico hollywoodiano, cuja música onipresente resultava no fato de que os espectadores deixavam de ouvi-la e se concentravam apenas nas ações e nos diálogos. Em Bresson, ela seria, na nomenclatura de Deleuze (1990), uma situação óptica-sonora pura. Podemos mesmo usar a música como critério para dividir a obra de Bresson. Assim, nos três primeiros longametragens, destaca-se a música original de Jean-Jacques Grünewald, em geral extradiegética. Na segunda fase, em Um condenado à morte escapou (1956), Pickpocket (1959), A grande testemunha (1966) e Mouchette (1967), a música extradiegética ainda está bastante presente, mas agora está representada principalmente por música do repertório clássico pré-existente(cronologicamente, O processo de Joana D´Arc pertence a essa fase, mas suas características são da terceira). Finalmente, numa terceira fase, a partir de Uma mulher doce (1969) desaparece a música extradiegética e o repertório clássico permanece, porém agora como diegético e bem pouco frequente. As peças do repertório clássico utilizadas são: o Kyrie da Missa em dó menor (K 427), de Mozart (em Um condenado à morte escapou), a ópera Atys de Lully (em Pickpocket), o segundo movimento da Sonata n° 20 de Schubert (em A grande testemunha), o Magnificat de Monteverdi (em Mouchette), o moteto Ego dormio, de Monteverdi (em O diabo provavelmente), a Fantasia Cromática BWV903 de Bach (em O dinheiro). Sugerimos que o uso desse repertório clássico pré-existente traz novos significados para o filme como um todo. Por outro lado, percebe-se que nos três últimos filmes de Bresson há um som incessante durante grande parte deles, seja o tilintar das armaduras em Lancelote do Lago, o deslizar e apitar dos barcos passando sobre o rio Sena em O diabo provavelmente ou o barulho dos carros passando na cidade em O dinheiro. Esse som, usualmente assimilado como ruído, não seria pelo seu caráter constante e quase incantatório talvez mais próximo de uma música? Assim, Bresson leva a cabo uma idéia que ele já expressara desde os anos 50: “Sem música de acompanhamento, de apoio, ou de reforço. Sem música nenhuma. [a não ser a música tocada por instrumentos visíveis – em nota de pé de página]. É preciso que os ruídos se tornem música” (BRESSON, 1975, p.32). O conjunto de todo esse som formaria o que Murray Schafer chama de “paisagem sonora” (2001). Michel Chion (2002) enumera os critérios desse conceito: uma “tonalidade”, que Chion vê como “base” ou “fundo”; os “sinais” ou, melhor, um foreground sound; e marcas sonoras características de um local. O próprio Bresson parece partilhar dessa idéia: “Fazer saber que se está no mesmo local pela repetição dos mesmos ruídos e da mesma sonoridade” (BRESSON, 1975, p. 85). Entre alguns “ecos” na atualidade do tipo de utilização de música preconizado por Bresson está o filme Sangue negro (2007), do americano Paul Thomas Anderson. A música original composta por Jonny Greenwood se mistura aos ruídos da natureza selvagem do Oeste americano e aos ruídos das máquinas, formando com elas um continuum sonoro. Ela tem bastante semelhança com a música do compositor clássico contemporâneo Arvo Pärt, também utilizada num dado momento do filme. Além de Pärt, há a utilização pontual de um concerto para violino de Brahms, cujas características românticas bastante distintas do resto da trilha musical causam uma estranheza semelhante ao que ocorre em alguns filmes de Bresson. |
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Bibliografia | ALTMAN, Rick (org). Sound Theory, Sound Practice. New York, Routledge, 1992.
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