ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A luz do cinema versus a luz do dia |
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Autor | Mauro Eduardo Pommer |
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Resumo Expandido | Em relação ao gênero terror, a era cinematográfica que atravessamos tem como uma de suas idéias mestras a integração dos vampiros à vida cotidiana. Os carros-chefes dessa empreitada são o filme Crepúsculo (2008), e o seriado televisivo True Blood (2008), criação de Alan Ball, o roteirista de Beleza Americana e criador do seriado A Sete Palmos . Ball, que já se havia habituado aos mortos-vivos da classe média suburbana e à atmosfra peculiar que cercam os mortos à espera de seu enterro pela funerária de A Sete Palmos, trata agora dos mortos-vivos consagrados pela tradição do terror, sendo que esses novos vampiros desejam se integrar à vida social.
Tal integração é apresentada em ambas as produções citadas pela via da transformação dos vampiros em respeitáveis cidadãos. Se a afirmação do mito do vampiro no cinema através do trabalho pioneiro de Murnau havia-se dado por uma estratégia de assimilação de suas características vitais e comportamentais à natureza do aparelho cinematográfico, com sua requerida obscuridade para a visualização associada à sensibilidade exacerbada da película virgem à luz, o que verificamos na transmutação atual da imagem do vampiro guarda relação analógica com o predomínio do vídeo e da internet. No campo específico da cultura de massas, os vampiros do século 21 deixaram o território da vida adulta que ocupavam desde o século 19, para se instalarem em grande força na representação do universo jovem, particularmente adolescente. Essa nova versão do mito vincula-se de maneira implícita, ou mesmo diegeticamente explícita, por vezes, à questão de como se costuma controlar a difusão de sua própria imagem na cultura contemporânea. Dessa forma, tanto Crepúsculo quanto True Blood constituem dispositivos narrativos através dos quais os jovens reconhecem figurativamente na mídia a maneira de dispor de sua imagem pessoal numa época em que a tecnologia disponível para a difusão coloca a tensão público/privado como dimensão central. De certa forma, todo jovem escolhe hoje se deseja, ou não, lançar luz sobre si, numa atmosfera comunicacional dominada por canais como os blogs, YouTube ou MySpace.. Já tive oportunidade de examinar a relação complexa e mutável do mito do vampiro com a luz, e o papel que o filme fundador de Murnau exerceu a esse respeito (em “O cinema e as mutações de Drácula”, in Estudos de Cinema SOCINE IX, 2008). No romance de Bram Stoker, que sistematizou e difundiu o mito pela via da ficção romanesca, Drácula não apresenta problemas em confrontar a luz do dia, fazendo passeios por Londres para tratar de seus interesses imobiliários. A única restrição sofrida, nesse caso, consiste na perda de seus poderes sobrenaturais. O filme de Francis Coppola havia sido o único na tradição cinematográfica a recuperar esse aspecto do mito original. Mas Crepúsculo produz uma guinada ainda maior na representação cinematográfica desse tipo de personagem, como veremos. No filme de Murnau observamos uma espécie de simbiose entre o vampiro e o cinema operando tanto no plano mecânico quanto no plano da articulação narrativa. Essa confluência de forma e conteúdo passou a constituir o tratamento padrão da figura vampiresca na tela, em oposição ao mito romanesco. A ruptura introduzida em relação a essa tradição por Crepúsculo está no fato de que aí os vampiros podem viver normalmente à luz do dia, conservando inclusive seus poderes sobrenaturais. No entanto, eles apenas evitam aparecer à plena luz do dia para não revelarem sua verdadeira natureza, que a reação de suas peles à luz propiciaria. True Blood também se origina de uma série literária bem-sucedida, The Southern Vampire Mysteries, da qual oito volumes já foram escritos por Charlaine Harris. Os vampiros de True Blood, porém, a despeito da atualização geral do tema trazido pela história, continuam a ter problemas com a luz do dia, o que demonstra uma contaminação reversa da literatura do cinema. |
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Bibliografia | ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max - Conceito de Iluminismo, in Os Pensadores, vol. XLVIII, S.Paulo, Abril Cultural, 1975.
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