ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A regionalização no documentário brasileiro |
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Autor | Karla Holanda |
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Resumo Expandido | O Piauí é um dos estados mais pobres do Brasil, tem seca, fome e ignorância, enfim, um atraso generalizado. O nordeste, em geral, é associado a tais idéias e visto com olhos lacrimejantes pelo país. Mas, quando se pode ver o que expressam os próprios piauienses, o que eles falam de si? Eles também priorizam temas como seca, fome e ignorância?
A maior parte da programação televisiva brasileira, assim como da produção cinematográfica, sempre foi produzida entre os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, favorecendo uma visão unilateral. Além de outros prejuízos, a centralização da produção acarreta num “discurso da estereotipia” sobre outras regiões. Não significa negar que a caracterização de tal discurso sobre o nordeste esteja (também) presente na região, tampouco faz sentido reivindicar que haja uma representação “verdadeira” sobre alguma região, como se houvesse uma verdade própria a ser desvelada sobre qualquer espaço geográfico. Exemplar dessa questão é o documentário carioca "Pro dia nascer feliz" (João Jardim, 2007). O filme faz um panorama da educação no Brasil que, amargando seus extremos contrastes, oscila de um ensino completamente precário, em escolas praticamente sem salas, sem cadeiras, sem banheiros e sem professores a um ensino de excelência, com infra-estrutura adequada e professores bem formados. Além disso, mostra como a violência está viva nas escolas. Para exemplificar o ensino precário, o documentário vai ao sertão pernambucano; o ensino de excelência é apresentado por meio de uma escola em São Paulo; e a questão da violência atravessada pelo tráfico, através de escola na Baixada Fluminense. Ora, como filmes são discursos que produzem sentidos e significados, é importante uma constante crítica das condições de sua produção. É verdade que em Pernambuco há ensino precário, que em São Paulo há ensino de excelência e que no Rio de Janeiro a violência permeia as escolas. Mas, o documentário, ao reproduzir os clichês de cada localidade, perde oportunidade de trazer à tona novos “fachos de luz que iluminem as relações de saber e de poder que constroem as tramas históricas”, e nos faz questionar qual discurso ideológico ele reforça. Não à toa, na mesma semana em que o filme foi lançado, o resultado do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – surpreendeu o país quando revelou que a melhor escola particular do país estava situada em Teresina, levando o jornal Folha de São Paulo, através da colunista Bárbara Gancia, a ridicularizar o dado: “O Instituto Dom Barreto, de Teresina, no Piauí, é a melhor escola do país? Sei, sei. Agora conta aquela do papagaio”. E, mais adiante, na sua apreensão, a colunista apela aos santos dos quais é íntima: “Será que o Instituto Dom Barreto prepara melhor seus alunos do que, digamos, o Santo Américo, o São Luís e o Santa Cruz, de São Paulo, ou o São Bento e o Santo Inácio, do Rio?” (Caderno Cotidiano, 16/02/07). Como dizem Ella Shohat e Robert Stam, “no discurso hegemônico todo papel subalterno é visto como uma sinédoque que resume uma comunidade vasta, mas homogênea” (p.269). Ora, formada por discursos estereotipados que se atribuem o direito de dizer quem é o outro apressadamente, a colunista do jornal de maior circulação do país sustenta um discurso autossuficiente que garante a manutenção do establishment ao reforçar uma “estabilidade acrítica” (Albuquerque, p 20). No entanto, segundo Shohat e Stam, o que realmente importa em relação a estereótipos e distorções é o impedimento do acesso de grupos historicamente marginalizados de controlarem sua própria representação (p 270). Sob esse contexto, este estudo vai analisar o filme piauiense selecionado no 3º. DocTV, "Um corpo subterrâneo" (Douglas Machado), que percorre cidades de norte a sul do estado, investigando a vida pregressa do morto mais recente de cada cidade. E buscará discutir que discurso a narrativa desse documentário produz sobre o Piauí e se contribui para negar (ou afirmar) estereótipos da cultura local. |
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Bibliografia | ALBUQUERQUE Jr, Durval. A invenção do nordeste e outras artes. Recife, Ed. Massangana, SP: Cortez, 1999.
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