ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O documentário entre memórias da ditadura e uma busca pessoal |
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Autor | Patricia Furtado Mendes Machado |
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Resumo Expandido | Rocha que voa (2002), de Eryk Rocha, Person (2007), de Marina Person e Histórias Cruzadas (2008), de Alice de Andrade são documentários brasileiros contemporâneos em que os filhos fazem uma espécie de biografia dos pais, importantes cineastas que produziram filmes entre as décadas de 50 e 70. A ditadura militar atravessa a vida de Glauber Rocha, Luis Sérgio Person e Joaquim Pedro de Andrade assim como as suas obras. Nosso intuito é investigar como cada um dos documentários vai explorar a memória da ditadura e a sua interseção entre o público e o privado.
Para tanto, partiremos do conceito de memória social, proposto por Gondar (2005). Trata-se de entendê-la não como uma verdade fixa e permanente, algo da ordem do semelhante e do comum, porém de admitir sua mobilidade. Conceber a memória como construção é admitir que “ela não nos conduz a reconstituir o passado, mas sim a reconstruí-lo com base nas questões que nos fazemos, fazemos a ele, questões que dizem mais de nós mesmos, de nossa perspectiva presente, que do frescor de acontecimentos passados” (2005:18) Nesse sentido, esse conceito nos daria condições de pensar na interferência de questões da ordem do privado (como a exibição de fotos e filmes de família ou mesmo a busca desses filhos-diretores pelos pais) na constituição de uma memória de um momento histórico. Questionamos, então: de que maneira os arquivos públicos e íntimos usados como matéria-prima dos filmes poderiam dizer respeito a memórias de uma época? Em que medida questões pessoais poderiam interferir na concepção que se faz, no presente, da ditadura militar? Gondar (2005) aponta que uma lembrança ou um documento resultam de uma montagem que é intencional e se destina a porvir. E propõe que questionemos por que motivo os arquivos puderam ser considerados como testemunhos de uma época. Ressalta ainda que essas escolhas pessoais se apresentam como compromisso ético e político. Estamos falando do reconhecimento da importância dos modos de sentir e da prática de si no entendimento da memória em um momento em que vivemos um fenômeno contemporâneo de exposição do privado, da revalorização dos testemunhos e da primeira pessoa como ponto de vista nas tentativas de rememorar a experiência. É o que Beatriz Sarlo (2007) chama de guinada subjetiva, movimento que teria ganhado força com o fim das ditaduras militares na América Latina como forma de não esquecer o que havia se passado. Nesse ponto, problematiza a ênfase dada à subjetividade. Apesar de reconhecer a necessidade jurídica e moral da memória e do testemunho nesse episódio histórico, onde “lembrar foi uma atividade de restauração dos laços sociais e comunitários perdidos no exílio ou destruídos pela violência do Estado” (2007:45), Sarlo alerta que a proliferação de autobiografias revelariam “uma ideologia de cura identitária por meio da memória social ou pessoal e que se apresentam como instrumentos de verdade” (2007:39). Desconfiar da autenticidade dos discursos que oferece a memória seria um dos primeiros passos para não encarar os testemunhos sobre fatos do passado como verdades absolutas. Para questionar essa ideia de memória como Verdade, Sarlo lembra seu caráter fragmentário e mediado e afirma que seu campo é “um campo de conflitos” (2007:45). Entendemos que, apesar dessa crítica à subjetividade, é possível apontar alguns caminhos onde é possível partir do pessoal para uma experiência de mundo. Nesse caso, seria indispensável refletir sobre a possibilidade de operações de distanciamento ou recuperação estética da dimensão biográfica. Conseguiriam esses diretores, nesse sentido, ir além de um discurso intimista, se desprender de si e refletir sobre uma memória social através de uma perspectiva familiar? Acreditamos que, apesar de partirem de uma busca pessoal, os três encontram caminhos diferentes para expressar a subjetividade, usar os testemunhos, trabalhar a narração em off e, especialmente, reconhecer o caráter dessa memória da ditadura militar. |
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Bibliografia | BERGSON, Henri. Matéria e memória. ED. Martins Fontes. São Paulo, 1990
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