ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Nashville: a resistência ao espetáculo a partir da apropriação da técnica expressiva |
|
Autor | Antonio Marcos Aleixo |
|
Resumo Expandido | Neste trabalho, discutimos a apropriação da técnica clássica em uma seqüência de Nashville (1975), de Robert Altman.
A seqüência que analisaremos é construída ao redor de Tom, um personagem que mimetiza o movimento espetacular no seu modo de circular pelos espaços construídos no filme e na sua maneira de estabelecer relações pessoais, razão pela qual ele serve para avaliarmos certas condições de formação da subjetividade em um momento em que as relações sociais tendem à mediação universal do espetáculo. Na seqüência em questão, Tom, no palco de um clube noturno, canta uma canção dedicada a alguém numa platéia composta predominantemente por mulheres. Toda a seqüência é construída usando a técnica clássica da montagem de diálogos em campo/contra-campo. Porém, aqui a técnica está estranhada pelo fato de não consistir na alternância entre dois elementos, mas entre o rosto impassível do cantor no palco e vários rostos na platéia. Ainda, em vez de se prestar à representação de diálogos, aqui ela é usada para representar um falso diálogo: a canção que fala, em monólogo, como se dialogasse com alguém na platéia. Ao proclamar uma relação individual, em abstrato, com alguém especial, estando disponível a todas as mulheres, Tom revela a subjetivação do modo de circulação da mercadoria, da qual o espetáculo é um desenvolvimento moderno (Guy Debord). A vantagem cognitiva da seqüência montada por Altman advém da utilização crítica de uma técnica que, no desenvolvimento do aparato espetacular, veio a se constituir, a um só tempo, em uma forma de identificar o espectador com o diálogo representado e de suprimi-lo como subjetividade oposta à imagem. Isto ocorre porque, no uso clássico da técnica, o primeiro “shot” da seqüência estabelece o espectador como um outro em relação à imagem, para logo em seguida suprimi-lo no “reaction shot”. Se no uso clássico da técnica a supressão do espectador pela alternância entre os “shots” se dá sem o prejuízo da técnica, que aparece como o modo mais “natural” de representar diálogos, na seqüência montada por Altman a própria técnica foi ressaltada e retirada de seu “fluir” natural. Como recurso de estranhamento, há que se apontar que, no filme de Altman, uma identificação do espectador com a imagem é dificultada por “degradações” propositais dos elementos que compõem a técnica: a imagem que ancora o jogo de campo/contra-campo, o cantor no palco, é distante e o rosto do cantor é de difícil leitura; as imagens nos “reaction shots” são invasivas (planos muito próximos) ou “degradadas” (escuras, deslocadas, cortadas ou levemente desfocadas). Assim, em vez de ser lançado para o espaço do diálogo, o espectador o observa como resultado de uma composição, cujos efeitos são supressivos tanto para a subjetividade espectadora (as mulheres na platéia, confusas sobre quem é o sujeito a que se refere a canção) quanto para a subjetividade que ocupa o centro do espetáculo (o cantor impassível no palco, incapaz de estabelecer uma relação verdadeiramente humana com aquelas mulheres), confirmando a tese debordiana de que, “as pessoas admiráveis em que o sistema se personifica são conhecidas por aquilo que não são; tornaram-se grandes homens ao descer abaixo da realidade da vida individual mínima” (Debord, tese 61, p. 41). Acreditamos que nosso trabalho se adequa à proposta do seminário por discorrer sobre uma experiência prática de negação do espetáculo que tem muito a ensinar ao cinema atual quando este se pergunta sobre formas de resistência ao controle renovado da sociedade do espetáculo. Se esta sociedade seleciona instrumentos e técnicas como forma de controle, isto não deveria fazer crer que a supressão da subjetividade é uma característica imanente de tais instrumentos e técnicas, que podem, como demonstra Altman, ser apropriados e redirecionados criticamente. Em um momento de acirramento das relações espetaculares, esta é uma lição de grande relevância social deixada pelo cineasta. |
|
Bibliografia | BAUDRY, Jean-Louis. Cinema: efeitos ideológicos produzidos pelo aparelho de base. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro, Graal, 1983.
|