ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O rádio e os silêncios: apontamentos sobre o uso do som em “Cinema, Aspirinas e Urubus” |
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Autor | Rodrigo Carreiro |
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Resumo Expandido | Embora simples e discreta, a trilha sonora do filme “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005) nos parece um trabalho interessante e original, graças ao uso criativo dos silêncios e dos sons emitidos por um aparelho de rádio. Este trabalho pretende realizar uma análise crítica do uso desses dois componentes da trilha sonora na construção narrativa do longa-metragem, usando como ferramentas teóricas os conceitos de acusmatismo e valor agregado (Michel Chion, 1994).
A concepção da trilha sonora do filme, através da combinação das quatro camadas fundamentais de componentes do som fílmico (voz, ruídos, música e silêncio), está em consonância com o projeto estético desenhado pelo diretor Marcelo Gomes. Um projeto estético de ordem documental, ao mesmo tempo naturalista e minimalista, cujo postulado básico consiste em contar a história utilizando apenas elementos diegéticos pertinentes ao tempo e ao espaço habitado pelos personagens. Para desenvolver esta hipótese, é preciso conhecer o argumento e o contexto da história. O filme se passa em 1942, no Sertão da Paraíba. É nesse cenário que ocorre o encontro do sertanejo Ranulfo (João Miguel) com o comerciante alemão Johann (Peter Ketnath). Ambos são nômades. Ranulfo quer tentar a sorte em uma cidade grande; Johann faz o percurso inverso. Para narrar a amizade improvável entre dois homens cuja comunicação é rarefeita, a equipe criativa optou por realçar o uso dos silêncios. Como não compreendem bem a língua um dos outro, Ranulfo e Johann usam o silêncio como forma de comunicação. Há várias cenas em que inexistem diálogos. A direção dá uma riqueza suplementar a esses silêncios, ao explorar múltiplos significados e nuances emocionais que eles podem assumir. Há momentos em que o silêncio significa cumplicidade; em outros, alegria; ou ainda tristeza, raiva, ciúmes. A cada nova cena, o silêncio injeta um novo valor agregado (Chion, 1994) às imagens. Já o rádio, instalado no automóvel de Johann, representa a conexão dos personagens com o mundo. O aparelho de rádio é um clássico artefato acusmático (Michel Chion, 1994), possuindo diversas funções estéticas e narrativas. O rádio é parte fundamental da paisagem sonora do filme. Em certos momentos, o rádio providencia a ambiência sonora que dá tridimensionalidade ao espaço cênico; propicia continuidade às cenas e amplia sensação de naturalismo, inclusive com o uso de vinhetas do programa Repórter Esso. É também o rádio que localiza a ação dramática no tempo, no espaço e no contexto histórico (II Guerra Mundial). Em outros momentos, o rádio fornece a trilha musical. Fiel ao postulado original, a equipe criativa descarta o uso de score tradicional. A música ouvida no filme é sempre diegética e coerente com a época em que se passa a história, embora também reflita nuances emocionais (quando os personagens estão tristes, o rádio toca um bolero). O ponto de vista sonoro é sempre respeitado. Os sons do rádio são monofônicos, com origem acústica compatível com a posição espacial do aparelho dentro da cena (ainda que ele esteja fora do quadro, o que freqüentemente acontece). Por fim, o filme utiliza o rádio como fonte de informações essenciais para o andamento da história. É através dos noticiários que tomamos conhecimento da evolução da guerra e descobrimos a posição política do Brasil dentro dela, fato que vai se mostrar determinante nos rumos da amizade entre os protagonistas. Portanto, o aparelho de rádio ora exerce o papel de efeito sonoro, ora providencia a música, ora é utilizado como interface para que uma voz acusmática (a do narrador do Repórter Esso) municie a história de informações que fazem a ação dramática evoluir. É a combinação criativa entre os diversos usos do som acusmático do rádio e as várias possibilidades emocionais oferecidas pelo valor agregado dos silêncios que fazem de “Cinema, Aspirinas e Urubus” um filme singular, no que se refere ao design de som. |
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Bibliografia | BURCH, Noël. Práxis do Cinema. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1969.
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