ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O grito de Jorge Andrade – primeiro e último capítulos |
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Autor | sabina reggiani anzuategui |
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Resumo Expandido | A bibliografia atual sobre telenovela brasileira ajuda pouco na compreensão de O grito, de Jorge Andrade, exibida pela TV Globo entre outubro de 1975 e abril de 1976. Produzida para o horário das 22h, depois do término de Gabriela, de Walter George Durst (adaptação do romance de Jorge Amado), O grito é provavelmente a novela mais sombria já realizada no país. No primeiro andar do edifício Paraíso, em frente ao elevado Costa e Silva (conhecido como Minhocão), mora uma ex-freira, viúva, mãe de um menino excepcional que grita desesperadamente durante a noite. O grito incomoda vários moradores, que convocam uma reunião de condomínio para expulsá-la do prédio.
Marta, o menino e o grito não aparecem no primeiro capítulo. São figuras quase metafóricas na trama, que apresenta através dos moradores um painel dos problemas urbanos e sociais de São Paulo. A hierarquia é sugerida nos andares: na cobertura fica a família do proprietário original, um “industrial” que mandou construir o prédio no terreno herdado pela esposa, de família tradicional paulista. Entre os moradores há intelectuais, velhos fazendeiros, secretárias, jovens idealistas, o zelador nordestino e sua filha universitária, empregadas domésticas. Há também um criminoso desconhecido. Do outro lado da rua, escondido num apartamento, um delegado vigia o prédio obsessivamente, fotografando os moradores com uma teleobjetiva. Espionados de fora e de dentro do prédio: além do delegado, há um interceptador roubado da companhia telefônica – alguém está ouvindo as conversas dos outros apartamentos. A novela recebeu críticas cruéis enquanto foi exibida. Assim começa o texto de Maria Helena Dutra na revista Veja, em 12 de novembro de 1975: “O Edifício Paraíso é quase uma academia filosófica... De maneira uniforme, seus cinquenta moradores meditam diariamente sobre a vida, e extraem de qualquer tropeção fortuito profundas lições a respeito do estado geral do universo.” A crítica acusa o autor de impor ao público um “grito absurdo”, recheando os personagens de “preocupações metafísicas” para esconder sua “impossibilidade... de dar vida própria aos tipos que considera comuns”. Dutra volta ao tema no Jornal do Brasil, em maio de 1976 (quando a novela termina), reclamando dos tipos “assoados por problemas psíquicos quase intelectuais e amplamente individuais”, “zumbis preocupados com seus umbigos”, discutindo “uma pobre filosofia, digna de qualquer Almanaque Capivarol”. O grande crime, segundo ela, é a opção pela “discussão de idéias, em lugar da ação”. Com poucas exceções, outros jornais e revistas seguem as acusações. Numa análise dos roteiros e capítulos, hoje, fica evidente a crueldade e injustiça dessas avaliações. Examinando-se o uso de imagens documentais e efeitos de edição (fusão, superposição), o estilo de encenação (sóbrio e impostado), e sua relação com o universo dramático proposto autor, ressalta-se o vigor de uma obra pouco lembrada. O tom se demonstra nos detalhes do roteiro, como o capítulo 5, na primeira vez em que se ouve o grito do título: “19 – A CIDADE ADORMECIDA – NOITE – EXT Numa sequência de takes em fusão, aparece a cidade adormecida. Ruas escuras e vazias, prédios sem nenhuma janela iluminada. Vemos caminhões de lixo recolhendo latas nas ruas; uma mangueira esguichando água, ligada a um caminhão, passa lavando o asfalto. Mendigos, cobertos por jornais ou trapos, dormem em calçadas, embaixo de viadutos. A câmara focaliza a forma estranha do Minhocão, indo parar diante do Edifício Paraíso. Oswaldo [o faxineiro] dorme debruçado sobre a mesa. Outra sequência de takes mostra corredores, saguões, livings, tudo adormecido. DE REPENTE, OUVE-SE UM GRITO TERRÍVEL, APAVORANTE, INUMANO.” O grito, assim como as outras novelas escritas por Jorge Andrade, merece uma análise carinhosa e detalhada. |
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Bibliografia | DUTRA, M. H. (5 de maio de 1976). Apenas um leve sussurro. Jornal do Brasil .
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