ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Corpo e afetos: sobre os encontros alegres no cinema contemporâneo |
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Autor | Camila Vieira da Silva |
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Resumo Expandido | Este trabalho procura investigar como determinados filmes de cineastas contemporâneos – em especial, Naomi Kawase, Apichatpong Weerasethakul e Hou Hsiao-hsien – colocam em primeiro plano a compreensão do cinema como um corpo que lida com a esfera da sensibilidade. Trata-se de uma atenção prioritária a tudo aquilo que diz respeito ao pathos (os afetos, os sentimentos) e à conservação da integralidade antropológica dos indivíduos.
Diferente da produção audiovisual hegemônica que reproduz determinados padrões mercadológicos de gênero, este cinema contemporâneo transnacional explora imagens sensoriais que fogem do modelo de representação do cinema industrial. Na recusa de uma apologia do efêmero e da velocidade da sociedade de consumo, os três cineastas compartilham um mesmo tipo de sensibilidade, para além de suas diferenças culturais, históricas e políticas. Com base nas noções de “paisagens transculturais”, “entre-lugares” e “comunidades de sentimento transnacionais”, é possível pensar eixos que atravessam o cinema contemporâneo que se faz em Taiwan, na Tailândia e no Japão. Além do interesse ótico de profundidade – de querer ver e explorar o íntimo e o cotidiano dos personagens –, há, como eixo principal, um interesse de superfície – de tatear um estado de coisas à flor da pele – a ponto de construir no/com o cinema toda uma poética da tatibilidade. A questão primeira é: o que podem os corpos em suas experiências cotidianas com o mundo? Que tipo de relação estética os corpos estabelecem com outros corpos e com os espaços em que estão inseridos? Esta problemática considera a pergunta de Espinosa – o que pode o corpo? –, que implica a ética do indivíduo, com base em seu direito natural e tudo aquilo que pode seu corpo. As afecções – as paixões e as ações – de um corpo determinam seu conatus – a singularidade que cada um tem de afetar e ser afetado e a procura do que é útil em função das afecções que o determinam. Bons encontros produzem um aumento da potência dos corpos e maus encontros, uma diminuição da potência de agir dos mesmos. A câmera-corpo de filmes como Shara, de Naomi Kawase; Café Lumière, de Hou Hsiao-hsien; e Mal dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul, concentra a atenção do espectador nos afetos dos personagens, sem necessariamente recorrer a uma disposição intelectual. Tal estratégia possibilita pensar um tipo de cinema que compreende seus personagens não pelo que eles são – não existe uma intenção definida de construção psicológica dos personagens –, mas pela forma como eles atuam em determinado espaço e estabelecem encontros com outros corpos, a partir de uma “dramaturgia” física carregada de sensorialidade. Dentro de seus limites, os personagens de Shara, Mal dos Trópicos e Café Lumière se esforçam por provocar bons encontros que aumentem ao máximo sua potência de agir. Se os afetos tristes os conduzem ao grau mais baixo de suas potências – em que estão entregues aos fantasmas da superstição, do rancor, do ressentimento –, os próprios personagens procuram experimentar afetos alegres por meio de bons encontros. Cada filme passa a ser a expressão intensa dos esforços de seus personagens em organizar, cada um a seu modo, encontros alegres, apesar de uma dor, de uma perda, de uma ausência. Aqui o sofrimento não depõe contra a vida. Pelo contrário, faz parte dela. Podemos compreender tais filmes, tomando o exemplo de Nietzsche que, ao se reportar à excessiva sensibilidade com que os budistas lidam com a capacidade de sofrer, leva às últimas conseqüências suas considerações sobre o corpo como pluralidade unânime e a alma como estrutura social dos instintos e afetos. Nos filmes analisados, os corpos são marcados pela contingência, pela diversidade de regularidades e acasos, de acertos, descobertas e fracassos. São experiências aventurosas de fidelidade à terra, ao mundano, em que a vida é querer ultrapassar e ir além. |
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Bibliografia | APPADURAI, Arjun. Modernity at Large. Cultural Dimensions of Globalization. Minneapolis, University of Minnesotta Press, 1996.
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