ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | De passagem: corpos em trânsito nas paisagens urbanas do “cinema de fluxos” contemporâneo |
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Autor | Erly Milton Vieira Junior |
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Resumo Expandido | De que formas a relação estabelecida entre a câmera e os corpos, numa certa vertente do cinema contemporâneo, possibilita novas construções do espaço-tempo fílmico, em meio a uma complexa construção transcultural de fluidas “paisagens imaginadas” da contemporaneidade? Quando penso em filmes como "A passarela se foi" ("The Skywalk is gone"), de Tsai Ming-Liang, "Café Lumière", de Hou Hsiao Hsien, "Em busca da vida", de Jia Zhang-Ke e "Juventude em marcha", de Pedro Costa, observo que a elaboração de cronotopias (unidades espaço-temporais, no sentido bakhtiniano do termo) opera a partir dos deslocamentos e inserções dos corpos numa série de paisagens urbanas em constante reconfiguração, dentro de uma nova proposição estética na contemporaneidade – um “cinema de fluxos”, de natureza autoral e transnacional.
Essa idéia de um “cinema de fluxos”, bastante popular dentro de uma grande parcela da crítica cinematográfica brasileira, baseia-se numa série de artigos publicados no começo desta década na Cahiers du Cinema, por autores como Stephane Bouquet e Jean-Marc Lalanne. Tais autores referem-se a um conjunto de narrativas contemporâneas nas quais o plano se assumiria como o “lugar de construção primeira de uma radicalidade da visão” (Lalanne: 2002), calcada numa relação, estabelecida junto ao espectador, em que a apreensão sensorial da cena, se não fosse preponderante, ao menos seria tão essencial quanto sua contraparte racional. Dentre os elementos que constituiriam essa estética do fluxo e da sensação, caberia aqui destacar a ênfase numa reinserção corporal no espaço e tempo do cotidiano, num redimensionamento da relação câmera/ator que justificaria tanto certa predileção de planos-seqüência em que o escoamento do tempo como duração e experiência (ou seja, uma produção de “eternos presentes” a cada plano) se torna claramente perceptível, quanto a adoção de um tom narrativo no qual as ações dos personagens seriam muito mais apreendidas pelo espectador como desencadeadoras de afetos e sensações do que julgamentos. A isso podemos somar uma composição de imagens e ambiências (inclusive muitas vezes dotada de uma forte componente transcultural) que valorizaria uma fluidez inter-seqüencial, num contexto no qual a elipse temporal (em especial a incerteza a respeito do tempo decorrido entre uma cena e outra) e a ambigüidade (tanto visual quanto narrativa) poderiam ser pensadas como opções estéticas centrais. Aproprio-me dos fundamentos desta estética para analisar os diálogos estabelecidos entre a mobilidade (ou não) da câmera, e os deslocamentos dos corpos dos atores/personagens pelos espaços urbanos e as interações entre paisagens transculturais no contexto de cada um dos quatro filmes acima relacionados. Minha análise enfatizará a preferência, nessas obras, por determinados enquadramentos e ângulos de câmera, os tempos inter e intra-seqüenciais, e as movimentações cênicas que contribuam para a instauração dessa concepção do tempo como experiência e sensorialidade apreensível pelo espectador. Será reforçado ainda, nessa análise, um certo caráter de trânsito e transitoriedade, bastante evidenciado nessas obras audiovisuais, tanto nos deslocamentos espaciais operados pelos personagens (os migrantes em Zhang-ke, em busca de oportunidades de trabalho em outras cidades; bem como os imigrantes no filme de Costa, ou ainda pessoas que vão e vem de diversos lugares nos filmes de Tsai e Hou), quanto dos deslocamentos operados no próprio espaço urbano – como a passarela “que não mais está lá” (bem como os vendedores ambulantes), em "The skywalk is gone"; o novo e asséptico conjunto habitacional para onde os imigrantes cabo-verdianos são obrigados a ocupar, em "Juventude em marcha"; os trens que vão e vem em "Café Lumière"; e a cidade abandonada às pressas, para dar lugar à represa e a uma nova cidade, um tanto quanto desprovida das memórias e afetos da paisagem anterior, no filme "Em busca da vida". |
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Bibliografia | BOUQUET, Stephane. “Plan contre flux”. In: Cahiérs du cinema, n. 566, 03/2002
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