ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Cristo si è fermato a Eboli de Carlo Levi e Francesco Rosi: memórias da cor de olhos tristes |
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Autor | Gabriela Kvacek Betella |
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Resumo Expandido | Cristo si è fermato a Eboli foi escrito como um meio-termo entre narrativa e ensaio. Não se enquadra nos gêneros literários tradicionais por ser um pouco diário, ensaio histórico e sociológico, testemunho, reflexão e descrição de cenas de vida camponesa. A rigor, hoje em dia figura entre os gêneros híbridos, porque se trata de uma forma constituída pelo relato objetivo (que remete à função referencial da linguagem) e pela elaboração subjetiva (que remete à função poética), equalizados na forma literária. De qualquer forma, é uma obra capaz de aliar os recursos de uma narrativa de memória à vivacidade quase de uma crônica de viagem, com a particularidade de não distinguir o “eu” como centro da perspectiva o tempo todo. Aliar uma precisão de descrições objetivas à expressão da proximidade entre fatos narrados e narrador é o grande trunfo da narrativa neorealista italiana, que adquiriu uma linguagem totalmente nova, capaz de incorporar a urgência da expressão dos valores humanos e sociais, seja através do ponto de vista do documentário ou graças à riqueza de nuances que relativiza a imparcialidade do narrador.
Cristo si è fermato a Eboli é escrito em Firenze entre 1943-44 evocando o período de 1935-36 e os cenários da Lucania, do exílio de Levi como prisioneiro do regime fascista. Em 1979 é finalizado o filme de Francesco Rosi. Na revisitação a narrativa move esforços para expressar o material do passado, o que torna o escritor imune, num certo sentido, aos horrores da guerra presente, porque a matéria da escrita não pode ser retirada pela imposição nem saqueada. Levi manifesta uma consciência extravasada do momento presente ao manipular sua própria vivência da década anterior, trazendo à tona problemas que agravam a severidade dos momentos decisivos da Segunda Guerra. Boa parte da atração exercida pela narrativa está associada à matéria de que trata: a questão meridional e a micro-história traçada pelo cotidiano de uma região da Basilicata. A sensação de verdade real almejada pelo discurso que se compõe num tempo de crise - em plena segunda guerra - é reforçada pelos modos de ação e expressão peculiares de uma região problemática desde sempre, sem o provincianismo da imitação de estilos literários e sem o "aristocratismo compensatório" de narrativa culta que trata problemas impossíveis de evitar. Rosi filma num tempo em que não adianta muito gritar, porque é necessário entender e agir, conforme declarara o próprio diretor. Talvez em razão disso seu Cristo si è fermato a Eboli tenha recebido comentários acerca do caráter fragmentário e pouco analítico. Por outro lado, a construção de imagens não poupa sagacidade documentarista e elegância, distantes do sectarismo que poderia rondar a obra. Não se pode negar, contudo, uma nota exagerada no formalismo da reconstrução histórica disposta a captar uma realidade política e social distante daquele final dos anos de 1970 somente na aparência. Ainda que seja pela narrativa fragmentada, voltar ao modo de vida daquela sociedade arcaica e aos sistemas de repressão que atravessaram os tempos é revelar, de certo modo, uma face única disposta a atravessar o milênio. É possível ver uma incapacidade até certo ponto natural do filme de Francesco Rosi de traduzir a síntese de tratamento literário e reflexão histórico-social. Por isso, torna-se necessário ler a adaptação cinematográfica como uma atitude sobre a matéria literária e, mais que isso, como um resultado que inclui novas experiências históricas. Assim, um desconcertado Carlo Levi interpretado por Gian Maria Volonté costura episódios que constituem desde estereótipos meridionais até sensíveis impressões sobre a complexidade dos problemas do Sul. O caráter memorialístico se firma através do artifício da primeira cena, que aproveita as duas primeiras páginas do livro, o curto monólogo do autor, moldura das memórias escritas. A presença da pintura materializa as questões sobre o absurdo escondido sob o traço pictórico. |
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Bibliografia | BRUNETTA, Gian Piero. Il cinema italiano contemporaneo. Da La dolce vita a Centochiodi. Roma: Laterza, 2007.
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