ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Dead Ringers & A Zed and Two Noughts:um close sobre a figura dos gêmeos no imaginário contemporâneo |
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Autor | Debora Breder |
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Resumo Expandido | Prestígio, abundância, maus presságios, adultério, fertilidade, perigo, terror... Em inúmeras sociedades ao longo da história o nascimento de gêmeos foi considerado como um acontecimento excepcional, imprevisível, encerrando riscos e vantagens tanto para os pais quanto para a comunidade. Nas sociedades tradicionais, onde o sistema de parentesco estabelece o status social da pessoa, a simultaneidade de partos embaralha a ordem de nascimento e as relações de primogenitura no interior de uma mesma geração. Sob esse aspecto o nascimento de gêmeos levanta o problema da identidade social da criança e da definição de seu lugar no mundo. Já a dualidade física, por sua vez, suscita problemas de outra ordem. Trata-se, nesse caso, da relação simbólica entre o mesmo e o outro, o idêntico e o diferente; ou seja, do incontornável problema da identidade-alteridade. Nesse sentido cabe notar que em várias sociedades africanas os gêmeos de mesmo sexo são reputados maléficos, em contraposição àqueles de sexos diferentes, considerados geralmente benéficos. Certas populações ameríndias também distinguem entre duas espécies de gêmeos: os “idênticos”, potencialmente nefastos, e aqueles gerados por “pais diferentes” – estes últimos imprescindíveis ao bom andamento do mundo. Em ambos os casos, como vemos, a introdução da diferença no seio da identidade é positivamente marcada. Em suma, constituindo um motivo recorrente em diversas mitologias, pode-se dizer que o caráter ambíguo, por vezes sagrado e terrível aferido a gemeidade em tantas culturas atravessa tempos e fronteiras. Na Antiguidade o nascimento de gêmeos era signo de maus presságios para os antigos assírios, babilônios e egípcios, e de superfetação e potencia seminal para os gregos.
Outrora imprevisível, o nascimento de gêmeos perdeu muito de seu caráter excepcional. O aparato tecnológico das sociedades ocidentais modernas possibilitou que o evento fosse não apenas explicado do ponto de vista da ciência, como também monitorado ao longo da gestação, senão mesmo induzido artificialmente pelas novas tecnologias reprodutivas. Não obstante esses novos saberes, dir-se-ia que ainda persiste, no imaginário contemporâneo, certo encantamento envolvendo a questão, conforme sugerem os mais variados discursos sobre a gemeidade – discursos médicos, psicológicos, literários, televisivos, cinematográficos... Sob esse aspecto o cinema – espaço privilegiado do mito em nossa cultura – constitui um instigante campo de estudo para investigar o modo pelo qual o ideal de uma “perfeita gemeidade”, comum à tradição indo-européia (como indica a mitologia greco-romana, os exempla medievais e a literatura fin-de-siècle, por exemplo), vem sendo atualizado nas narrativas ocidentais contemporâneas. Com efeito, o cinema é pródigo na mise-en-scène tanto de gêmeos “antitéticos” – cuja oposição, fortemente marcada, é extrema e irredutível –, quanto de gêmeos “indissociáveis” – cuja completa identidade os conduz inexoravelmente a um destino comum. Considerando, pois, o cinema como produto e produtor de imaginário, este trabalho propõe uma reflexão acerca das representações sobre a gemeidade – em suas correlações com a simbólica do incesto – a partir do enquadramento de dois longas-metragens que têm a figura dos gêmeos “indissociáveis” como motivo central: Dead Ringers (1988), de David Cronenberg, e A Zed and Two Noughts (1985), de Peter Greenaway. Ao considerar a trama desses filmes em conjunto com as declarações dos próprios cineastas e as apreciações da crítica especializada – isto é, na junção entre texto e contexto, entre o que é dito cinematograficamente e o que é declarado em entrevistas, entre o que é omitido em imagens e sugerido por preterição, entre a intenção alardeada e a própria recepção –, desenha-se uma teia de significados em cujo emaranhado vislumbra-se a coerência de um discurso simbólico sobre a gemeidade, em seus limites e utopia. |
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Bibliografia | BARRY, L. “Hymen, Hyménée! Rhétoriques de l’inceste dans la tragédie grecque”, in L’Homme, 175-176, 2005.
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