ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O cinema contra a espetacularização do eu: uma análise de Là-bas, de Chantal Akerman |
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Autor | Roberta Veiga |
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Resumo Expandido | O cinema é, de certa maneira, uma forma de aprisionamento dos sujeitos no tempo e no espaço, seja pela ambiência da sala escura, seja por guiar o olhar do outro no filme, um recorte específico do mundo ao qual ele precisa se conformar. Mas há filmes que enfatizam essa experiência de aprisionamento dos espectadores, ao confinar atores/personagens e o próprio diretor num espaço reduzido, minimizando muito a potencialidade do cinema de explorar os espaços, principalmente os exteriores, através dos planos abertos, dos longos movimentos de câmara e da montagem. Ao contrário do que Bazin entendia por cinema, a liberdade da ação em relação ao espaço e a liberdade do ponto de vista em relação à ação, trata-se de constranger ao máximo essa liberdade de maneira a reduzir o foco de visão, que será quase sempre o mesmo, através de um dispositivo fechado e rigoroso.
Nessa perspectiva de análise, o artigo apresentará o filme Lá-Bas (Fra/Bel 2006), de Chantal Akerman, a partir da discussão a cerca dos procedimentos formais utilizados pela cineasta e da valorização do enquadramento que constitui a matriz que atravessa a sua obra. Lá-Bas é um ensaio sobre um atentado em Israel, narrado do ponto de vista da única personagem, a diretora, que constrói o acontecimento no âmbito de sua vida íntima não só pelo contexto de suas palavras, mas por passar todo tempo dentro do apartamento em Tel-Aviv filmando a janela sob vários enquadramentos. Num processo de mise en abyne, o eu da personagem se dissolve na reprodutibilidade técnica, na possibilidade de enquadrar ao infinito. Consciente da força do dispositivo cinematográfico em submeter o espectador durante um determinado tempo a uma experiência já conformada por um olhar anterior, Akerman parece querer intensificar o momento de captura do olhar do outro através do ato de enquadrar. Sua obra é quase uma ditadura dos quadros fixos: marca do seu gesto autoral. Segundo Yshaghpour, o enquadramento em Akerman, longe de ser um cenário como deixa entender a idéia de decupagem técnica, é um corte no fluxo espacial e temporal. Para o autor, na obra da diretora, o enquadramento é uma violência, pois impõe a descontinuidade à continuidade do mundo como um golpe. Akerman oferece ao espectador um mundo circunscrito por grades. A instauração do quadro e a duração constrangedora naquela delimitação específica se traduzem nos gestos e nas palavras, dela ou dos personagens. O enquadramento é um momento primordial, de captura dos sujeitos envolvidos no jogo do filme, que vai ser revivido no pressionamento do olhar e no confinamento dos corpos. Essa matriz que atravessa a obra da cineasta, condensada em Lá-Bas, se manifesta num dispositivo rigoroso construído a base de constrangimentos estruturais, de regras e serializações, que determinará uma fragmentação do eu da personagem que, ao se por a deriva, leva o espectador ao mesmo movimento. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? Revista Outra Travessia 5. Ilha de Santa Catarina, 2° semestre de 2005.
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