ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Política e ética no documentário brasileiro contemporâneo: o poder da palavra e a encenação do real |
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Autor | Patricia Rebello da Silva |
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Resumo Expandido | Jesus no mundo Maravilha, documentário de Newton Cannito, concebe um debate ético sobre ideais e condutas que levaram três homens a se tornar – e a deixar de ser - policiais. O filme trata das experiências, posturas, dificuldades e observações sobre um ‘estado de coisas’ da corporação. O filtro por onde passam essas estórias, o recorte do diretor sobre os discursos, é o diferencial da narrativa. Cannito manipula e engendra essas vozes em uma estética ousada, deslocando dramas e falas de seus ambientes e isolando-os em uma locação peculiar: um parque de diversões. Dessa opção, surgem personagens que inspiram tanto atração quanto repulsa. Ao criar uma lógica aparentemente normal para um discurso aparentemente louco, o filme de Cannito descreve o fato de que um mundo louco pode se viabilizar como normal.
Hiato, de Vladimir Seixas, recupera o registro da ocupação de um shopping center em um bairro de classe média no Rio de Janeiro por uma comunidade carente de periferia. Ao colocar em evidência o choque provocado pelo encontro entre os diferentes grupos,o filme questiona a própria legitimação da separação, e se viabiliza como palco de atuações que configuram e perpetuam um regime de circulação de imagens viciado. O discurso ético recuperado pelo documentário engendra a proposta witgenstariana da ética como uma ‘experiência sobrenatural’, que percebe o sentido das coisas menos nos acontecimentos em si que na forma como são materializados em discurso. Jardim Angela, de Evaldo Mocarzel, começa como o registro de um grupo de alunos de uma oficina de vídeo na periferia de São Paulo. No meio do caminho, um ‘acidente’ de percurso faz com que a estrutura do filme entre em colapso. Mergulhando nas entranhas de sua própria imagem, seduzido pela rebeldia dos corpos que se recusam caber em personagens pré-estabelecidos, o documentário assume o ato da escrita de uma história menos como uma sistematização de pensamentos que como um exercício de desapropriação de espaços, uma partilha do sensível que coloca em questão a vulnerabilidade do lugar do diretor. Esses filmes, entre outros, nos colocam questões, nos despertam a intriga, colocam no ar polêmicas e fazem perguntar sobre as possibilidades do documentário como canal viabilizador de questionamentos para uma ética da imagem contemporânea. Será possível pensar o documentário, concebido dentro de um regime tecnológico operador de “imagens sem dono”, fabricadas no cruzamento de mídias que deslocam sentidos e formas de cognição, palco para a apreensão das representações políticas que ainda se prestam através da imagem? Se o sistema de representação se sustenta, como diz o teórico Jean-Louis Comolli, como um retorno do olhar sobre si próprio, quais as implicações dos processos de mediatização, que correspondem à via de fluxo das imagens que forjam e legitimam as políticas de uma sociedade? Quais os limites entre uma vontade de se colocar em discurso e uma vontade se realizar como imagem? Em um mundo que se dá a perceber e, arriscando chegar até os limites dos sistemas de representação, a conhecer, através das imagens, o que está implicado neste jogo de poder, nesta disputa pelo domínio da palavra? Para Rancière, uma política da escrita é necessariamente investida das potências do deslocamento, da desautorização, da volatilidade dos sentidos em benefício de sua instauração no mundo. Escreve ele que “a boa escrita é também a escrita mais que escrita,(...) traçada de modo indelével e infalsificável na própria textura das coisas”. Nesta verdade subtraída à aparente solidez do texto não estaria o investimento do documentário nos processos invisíveis, nas produções políticas, nas novas formas de subjetividade produzidas pelo fenômeno da convergência tecnológica? |
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Bibliografia | ANDERS, Gunther. Kafka. Pró e Contra. São Paulo: Cosac & Naify, 2007.
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