ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | As teias de Sherazade na performance do cabaré: uma leitura de El lugar sin límites e Madame Satã |
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Autor | Maurício de Bragança |
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Resumo Expandido | O cabaré apresenta uma inscrição muito forte na configuração de um espaço de sociabilidade e de trocas culturais na América Latina. Historicamente, se instaura numa tradição de espetáculo prostibular que acabou por acomodar diversas linguagens e registros de performance que passariam pelos números de circo, o teatro de revista, os freak shows e, sobretudo pelos números musicais que envolviam a participação de um grande corpo de baile de dançarinas muito sensuais.
Como performance, o cabaré propõe uma linguagem multimidiática e de forte apelo de presentificação da produção de sentido, que se realiza na apresentação de um texto-em-ato. Dentre as correntes artísticas surgidas nas primeiras décadas do século XX na Europa, encontra-se o movimento dadaísta que também se valeu da linguagem do cabaré para projetar seu discurso contra os antigos valores da arte burguesa de então. O cabaré apresentou-se como uma linguagem política cujo potencial de crítica foi utilizado por nomes como Hans Richter, em sua experiência com o vanguardista Cabaret Voltaire, em Paris, na década de 1910, ao lado de Hugo Ball. Richter teve uma importante atuação também no cinema de vanguarda daquele contexto e suas obras no campo do audiovisual representam hoje uma sólida referência à arte experimental do início do século, confirmando uma espécie de multimidialidade própria desta linguagem. A experiência do cabaré de Bertolt Brecht e Kurt Weill, na Alemanha da década de 1930, também confirma seu potencial de crítica social e política. Na América Latina, a representação do cabaré pelo cinema esteve muito presente em algumas cinematografias nacionais, sobretudo a mexicana que, em sua experiência industrial na década de 1940, constituiu um repertório fílmico conhecido como melodrama cabaretero. Nestes filmes a dançarina rumbeira protagonizava tramas que muito dialogavam com a realidade social do país e com um projeto de modernização marcado pelas contradições próprias do subdesenvolvimento. O cabaré presente no cinema atuou num sentido heterotópico ao criar uma espécie de espaço alternativo dentro do sistema (nos limites de um cinema industrial e de uma organização clássico- narrativa) para articular as trocas simbólicas que apontavam o desvelamento das disputas e negociações processadas no corpo político da personagem cabaretera. Partindo da representação do cabaré como um espaço onde se processam as disputas políticas que marcam determinados universos valorativos e sociais e de que, historicamente, este tipo de espetáculo aponta para uma experimentação de linguagem através da constituição de um texto performático, propomos, nesta comunicação, analisar duas cenas de representação do cabaré no cinema latino-americano que apresentam estratégias discursivas bastante semelhantes no que concerne aos enfrentamentos políticos assumidos. Um dos filmes, El lugar sin límites, foi dirigido em 1977 pelo mexicano Arturo Ripstein e traz a personagem da travesti Manuela (Roberto Cobo) no centro desta performance cabaretera. O outro filme, brasileiro, é Madame Satã, dirigido por Karim Ainouz em 2002 e apresenta o famoso malandro homossexual carioca (Lázaro Ramos) numa cena de cabaré – espaço cênico que, na tradição cinematográfica latino-americana, foi ocupado majoritariamente pelas mulheres. O que nos interessa, neste recorte, é observar como as estratégias de narrativa e linguagem adotadas nas duas cenas apontam para uma performance diante da câmera que passa pelo registro de um corpo/voz que inclui o texto falado como detonador da catársis provocada no âmbito do cabaré. Qual Sherazade, os textos contados pelos protagonistas dos dois filmes enredam o espectador, desvelando os sentidos produzidos pela performance cabaretera. Assim, o registro do cabaré nestas cenas dos dois filmes confirma o potencial de transgressão presente nesta linguagem que, historicamente aponta para a contestação do status quo e para as possibilidades de experimentação estética. |
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Bibliografia | BRAGANÇA, M. Corpos que ardem: Madame Satã e Plata Quemada. Grumo, v. 6, 2007.
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