ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Do visível ao tátil: a câmera-mão no cinema celular |
|
Autor | KENIA CARDOSO VILACA DE FREITAS |
|
Resumo Expandido | Em 1923, o cineasta russo Dziga Vertov já sonhava com um cinema que rompesse as barreiras do corpo humano: um olho aperfeiçoado, móvel e livre no tempo e no espaço. Vertov e suas tomadas de improviso fundaram uma nova relação entre a vida e o cinema, o homem e a máquina, o visível e a representação: sendo seus filmes umas das balizas do cinema documentário – influenciando diretamente várias escolas cinematográficas posteriores, como a nouvelle vague e o cinema verdade.
Quase um século depois, o cinema não cessou de re-inventar e atualizar os seus dispositivos, perseguindo o mesmo sonho. Como exemplo desse processo de mudanças nos dispositivos cinematográficos, podemos pensar na passagem do cinema mudo ao sonoro, do preto e branco ao colorido, a sincronização de imagem e som, da película aos sinais eletrônicos – para ficar nos mais evidentes. Essas transformações, mais do que meras mudanças técnicas, foram motivadas por novos projetos estéticos – ou pelo desejo de alcançar projetos estéticos já existentes (como o cine-olho). Atualmente, o cinema vive mais uma de suas inflexões. Câmeras de vídeo cada vez menores, aparelhos de telefone celular e máquinas fotográficas digitais que gravam imagens, ilhas de edição instaladas nos computadores pessoais são algumas das Novas Tecnologias da Comunicação em desenvolvimento. Com elas, as imagens em movimento foram digitalizadas e compatibilizadas com o universo dos bytes. Tem-se o surgimento de um cinema híbrido: que circula tanto pelas páginas da Internet quanto pelas projeções em salas escuras, passando pela televisão e pelas minitelas dos telefones móveis. Não se trata mais de uma imagem-movimento e nem de uma imagem-tempo, é Raymond Bellour quem atualiza a análise deleuziana cunhando o termo imagem-fluxo para denominar a imagem globalizada pela revolução informática. Fugindo dos fetichismos tecnológicos, o que já se pode dizer destas imagens? Como refletem esteticamente as inflexões provocadas pelas novas formas de sociabilidade das recentes tecnologias de comunicação (mobilidade, interatividade, conexão)? E como a cibercultura está redefinindo os dispositivos cinematográficos e com isso o estatuto da imagem? São algumas das questões que este trabalho pretende explorar, tendo como ponto de partida documentários feitos com telefones celulares e disponíveis na rede. Propomos um trajeto que passe pela contextualização da cibercultura e de suas principais características, com o intuito de compreender em que cenário sócio-cultural situam-se os “filmes de bolso” (filmes feitos com telefone celular). Em seguida, levantaremos um histórico das inflexões no dispositivo cinematográfico – sobretudo no domínio documental. Para, a partir desse histórico, pensar qual seria o estatuto da imagem contemporânea e como estes são influenciados por um novo projeto estético. A partir da trajetória acima descrita, levantaremos algumas das características do cinema-celular. Em princípio, acreditamos que estes filmes se destacam esteticamente pela mobilidade de sua câmera. Da metáfora do câmera-olho, passamos para a da camera-mão. Continuamos no domínio do visível, mas adentramos no universo do tátil. A “estética do cotidiano” é outra característica recorrente nos filmes de bolso: o banal, o dia a dia, o comum imperam nesse cinema de improviso. As metalinguagens e a inserção do corpo dos realizadores marcam uma relação mais aberta destes filmes com o seu processo: não estamos distantes de uma busca da obra aberta. Assim como não estamos longe dos conceitos de documentário e de cinema expandidos: as fronteiras entre ficção, documental e experimental estão fluídas e as imagens convergem: fotografia, animação e cinema se hibridizam. Em 1920, Vertov sonhou com um cinema que rompesse as barreiras do corpo humano: aperfeiçoado, móvel e livre no tempo e no espaço. Agora, nos anos 00, o sonho do pós-humano parecem finalmente possíveis – filmáveis e transmissíveis. E, ironicamente, cabem até dentro do bolso. |
|
Bibliografia | BELLOUR, Raymond. Cineinstalações. In: Cinema sim: narrativas e projeções: ensaios e projeções. MACIEL, Kátia (org.). São Paulo: Itaú Cultural, 2008.
|