ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O 'Cinema IIIº Mundo' de J. Agrippino de Paula |
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Autor | Felipe Augusto de Moraes |
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Resumo Expandido | Parece haver um ponto na história recente da arte em que as categorias tradicionais da estética sucumbem, em que o formalismo torna-se inadequado como filosofia da arte. Arthur Danto (para os autores aqui citados ver bibliografia) identifica esse ponto: as Brillo Box de Andy Warhol expostas em 1964 em Nova York. O debate é anterior: remete as críticas feitas por Harold Rosenberg às interpretações de Clement Greenberg sobre as pinturas de Pollock. Seria possível inscrever essas pinturas numa tradição que remete ao Impressionismo? Com a pop art, a ruptura parece completa. E não é à toa que ela se dê nos Estados Unidos: é para lá que modernismo parece ter migrado depois da guerra; é lá que vemos surgir o famigerado pós-moderno (que, pelo menos de início, parece mesmo uma coisa bem americana). O cinema é parte desse debate. Jacques Aumont nos dá uma pista. No último capítulo de seu livro ‘O Olhar Interminável’ ele afirma que Godard, ao se apropriar muito particularmente de procedimentos da pop art, inventou e desmontou o pós-modernismo antes do surgimento do próprio. E o fez para continuar sendo aquilo que ele não pode deixar de ser: um moderno. Creio ser esse debate o que nos interessa quando pensamos na obra de J. Agrippino de Paula, insistentemente associado pela crítica a pop art, mas geralmente de modo superficial.
É sabido que o Cinema Novo buscou atualizar cinematograficamente o projeto da semana de 22: oferecer uma contribuição criativa por parte do Brasil à esfera intelectual internacional, combatendo assim a idéia de que só os países desenvolvidos seriam capazes de produzir um tipo significativo de arte. Há, seja na "antropofagia", seja na "estética da fome", uma vontade de se apropriar violenta e redentoramente da técnica produzida nos grandes centros industriais. O 3º Mundo ocuparia então uma posição estratégica, antitética em relação ao 1º Mundo: o lugar de onde brotará a síntese revolucionária. A Vanguarda Histórica (o biscoito fino de Oswald) anseia pelas massas populares. Se no Cinema Marginal, o 3º mundo já aparece como o espaço da impossibilidade (que só pode explodir), nem por isso ele deixa de ser a alegoria desse próprio desencanto (para lembrar Ismail). Mas com Agrippino ele ganha outros tons. Ali, o cinema revela claramente sua “falha ontológica”. O terceiro mundo não é a antítese do primeiro, mas é seu duplo. Hitler no terceiro mundo não é uma “idéia fora do lugar”, é um espelhamento que desvela (no sentido carrolliano). O que Agrippino nos apresenta é o ‘desejo de história’ do Cinema Novo, do cinema brasileiro moderno, sendo esterilizado por um novo fenômeno (global, que chegava então as terras brasileiras): a Comunicação (de massas). No “Cinema IIIº Mundo” de Agrippino praticamente não há mais cinema, no sentido proposto por Paulo Emílio (na esteira da crítica literária de Antônio Cândido) de que o cinema demanda um povo. Nem chegamos a ser um povo e já nos tornávamos massa: eis o paradoxo do 3º Mundo. Não teria tido o próprio cinema (“espetáculo de massas”, “dispositivo alienante”) parte nisso? A vanguarda de Agrippino é radical. E radical também contra o “modernismo domesticado” (o termo é de Andréas Huyssen), já identificado por Sganzerla ainda nos anos 60 em suas diatribes contra a banalização do “cinema de autor”. Por isso digo que o ‘cinema de vanguarda’ de Agrippino é um ensaio para o contemporâneo, porque se instaura na fissura do moderno. No entanto, para terminar, não afirmo com isso que o ‘desafio das poéticas tecnológicas’ (uma expressão de Arlindo Machado), típico do cenário contemporâneo e seu hibridismo de linguagens e gêneros, passe necessariamente pela negação de categorias fundamentais da modernidade como a dialética e a identidade. Pelo contrário. É preciso muito cuidado para não cair numa vulgata da ‘teoria à francesa’ que vem ruminando as universidades nas últimas décadas. Para além das disjunções, há uma questão de método. |
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Bibliografia | AUMONT, J. O Olhar Interminável: cinema e pintura. São Paulo, Cosac & Naify, 2003.
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