ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Afonso Brazza: cineasta, bombeiro |
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Autor | Alice Fátima Marins |
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Resumo Expandido | O cinema integra o que se costumou chamar de indústria cultural, cuja mercadoria caracteriza-se por ser impalpável (MORIN, 1999). A indústria cinematográfica produz histórias nas quais se delineiam vínculos de pertencimento seja daqueles que as realizam, seja do público, que interage com elas, incorporando-as ao seu imaginário, conformando identidades. A noção de identidade está estreitamente relacionada com a de pertencimento: o sujeito se reconhece na medida em que reconheça seu pertencimento a esta ou aquela rede de relações. Assim, a cultura pode ser pensada, também, como produção de signos compartilhados coletivamente, que estabelecem as mediações dos elos nas redes de pertencimento. E as narrativas fílmicas articulam, criam, sobrepõem, renovam signos que ressignificam a sociedade contemporânea em sua complexidade.
A sociedade industrial capitalista funda-se na produção de excedentes. A entrada de novas mercadorias em circulação pressupõe o descarte das velhas (velhas?...), o que leva à produção, também, de lixo em excesso. Os descartes são jogados em lixões, onde legiões de pessoas trabalham recolhendo e reciclando o que pode ser reaproveitado. Na sociedade pós-industrial também há circulação de mercadoria simbólica em excesso, de modo que é possível pensar, igualmente, na existência de lixões intangíveis de mercadoria cultural, onde cidadãos recolhem restos, dos quais se apropriam, para recriar narrativas próprias, e, nelas, a própria noção de pertencimento. Tendo em vista essas questões, trago à pauta o trabalho realizado pelo cineasta-bombeiro Afonso Brazza, em Brasília. Entre os anos 1982 e 2002, dirigiu quase uma dezena de filmes de longa metragem: O matador de escravos (1982); Os Navarros (1985); Santhion nunca morre (1991); Inferno no Gama (1993); Gringo não perdoa, mata (1995); No eixo da morte (1997); Tortura selvagem: a grade (2001); Fuga sem destino (2002). Este último foi lançado após a sua morte, no Festival de Cinema de Brasília de 2006. A idéia de reciclagem transpira no corpo todo da obra. Suas histórias são tecidas com retalhos cujas emendas não são disfarçadas. Não há preocupação com continuidade, o som é dublado com vozes de outras pessoas, e muitas vezes os lábios dos atores indicam que estão pronunciando falas diversas das que se está ouvindo. Morrer nas mãos do herói é sempre divertido: por vezes, os bandidos resistem em morrer, para permanecer mais na cena, noutras, morrem antes mesmo dos disparos os atingirem. As características que serviriam para desabonar, ao contrário, tornam esses filmes obras vibrantes e intrigantes. Às suas histórias nunca faltam alguns elementos indispensáveis aos filmes de ação: um herói, cujas aparições envolvem acrobacias, falas de efeito, vociferações, ameaças e advertências aos “agentes do mal”; mulheres bonitas, algumas vilãs outras vítimas; a mocinha de todas as histórias, bela e loira, interpretada pela própria esposa; muitos bandidos que aparecem de todos os lugares, para serem implacavelmente combatidos e mortos pelo herói; fugas de carro, saltos de pontes, lanchas velozes, explosões. Tudo executado como quem brinca: fazer cinema é, sobretudo, diversão, nas versões de Afonso Brazza. O herói composto pelo cineasta é inspirado no personagem interpretado pelo ator norte-americano Silvester Stalone, o que lhe valeu a alcunha de Rambo do Cerrado, afinal, um soldado do Corpo de Bombeiros ocupado em salvar as pessoas: Rambo foi devorado por Afonso Brazza, e regurgitado nas histórias que conta. Em seus trabalhos, mais do que meramente interpretar essas narrativas, reconstruindo-as no próprio imaginário, os signos das histórias contadas pelos outros, os heróis dos outros são in-corporados, antropofagicamente (ANDRADE, 2008), em histórias autorais, que dizem de seu tempo, de seu lugar, de suas relações, de sua própria inserção no mundo. De seu pertencimento. |
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Bibliografia | ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropofágico. 1ª publicação: 1928. Disponível em http://www.puc-campinas.edu.br/centros/clc/jornalismo/projetosweb/2003/Semanade22/manifesto.htm Acesso em 23 de fev. de 2008.
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