ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Nos caminhos d’A Via Láctea |
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Autor | Lucia Ferreira Tupiassu |
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Resumo Expandido | Partindo do filme A Via Láctea, de Lina Chamie (2007), propõe-se pensar a constituição da cidade pós-moderna e sua representação no cinema. Este é um filme que, como tantos outros, narra uma história de amor. Mas, em A Via Láctea, ainda que não se possa dizer que haja inovação no tema abordado, a forma escolhida para contar essa história e, mais ainda, os elementos escolhidos para entremeá-la, esses sim não são habituais. Desde o texto da sinopse, usado na divulgação do filme, são indicadas ao espectador a presença e a importância de São Paulo na trama. Mais que mera ambientação da história, a cidade é uma de suas personagens.
Invasiva, perturbadora, inquietante, insistente, latejante – esses são alguns dos adjetivos que poderiam ser atribuídos à São Paulo que é mostrada em A Via Láctea. Mas que cidade é essa que aparece no filme? Este trabalho é uma tentativa de pensar, partindo de uma obra artística específica (o filme), a constituição da cidade contemporânea e sua representação no cinema, levantando questões acerca de uma possível “crise da representação” (que nos aponta Néstor García Canclini, entre outros autores), e remontando naturalmente à Modernidade – período seminal em que eclodem tanto as grandes metrópoles, como o modelo de visão subjetiva (tão caro ao espectador de cinema contemporâneo) e o próprio cinema. Um dos pontos-chave desta análise é a tentativa de delinear um paralelo comparativo entre uma figura ícone do período moderno, o flâneur, e o espectador de cinema contemporâneo. É importante deixar claro, de antemão, que não se está propondo apontar o espectador de cinema contemporâneo como uma possível reminiscência, nos dias de hoje, daquele tipo do auge da Modernidade (como veremos, muito já se discutiu e esse respeito e, apropriando-me das palavras de Canclini, “já não é possível a experiência da ordem que o flâneur esperava estabelecer ao passear pela metrópole do início do século passado” [Canclini, 2006: 122]). Diferentemente, o objetivo aqui é identificar a presença de possíveis traços de um em outro: da mesma forma que algumas marcas da cidade moderna persistem nas cidades de hoje, não poderia o espectador de cinema contemporâneo apresentar semelhanças com o flâneur do século XIX? Tem-se em A Via Láctea uma narrativa não-linear, em que a história é contada de uma forma que se assemelha a uma divagação, a uma viagem ou vertigem. Uma mesma cena é mostrada em diversas versões, todas elas plausíveis de terem acontecido na trama. Ao espectador é dada a liberdade de completar ou entender os fatos à sua maneira. Em outras palavras, o filme deixa espaços em aberto, a serem preenchidos pela imaginação ou interpretação do espectador. O filme, ao entrelaçar os sentimentos dos protagonistas com elementos da cidade de São Paulo, em uma narrativa fragmentada, abre um leque de possibilidades ao espectador, que pode vagar entre esses fragmentos de imagens, montando-os conforme sua vontade. O espectador pode isolar instantes, fixando-se ora em uma cena, ora em outra. Um exercício que em muito se parece com a flanerie do século XIX. Ainda que o espectador de A Via Láctea esteja parado frente à tela, pode-se considerar que ele realiza uma espécie de “deambulação” ao seguir os movimentos da câmera (que em grande parte do filme acompanha as ações dos atores de forma dinâmica). Ou ainda, permitindo-me relativizar ainda mais esta “deambulação” do espectador, pode-se dizer uma das principais maneiras pela qual ele se movimenta é através de sua própria imaginação. Admitindo esta possibilidade, chega-se a um ponto em que esse espectador-flâneur se desprende de qualquer materialidade. Assim, respondendo à pergunta feita acima – que cidade aparece em A Via Láctea? –, poderia-se dizer que nela aparecem inúmeras cidades, tantas quantas cada espectador-flâneur puder descobrir ou absorver, transitando por entre o montante de informações, estímulos, imagens, sons, cores e sentimentos mostrados no filme. |
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Bibliografia | BARTHES, R. O efeito de real. In: O rumor da língua.
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