ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A voz do outro em Cidade de Deus e O homem que copiava: pontificando e relativizando verdades |
|
Autor | Eduardo Miranda Silva |
|
Resumo Expandido | O objetivo é investigar a questão das narrativas em primeira pessoa no cinema brasileiro contemporâneo de ficção à luz das políticas de dar voz à alteridade. Para tal, empreenderemos um recuo aos anos 1960, período em que o cineasta-intelectual do Cinema Novo tinha a concessão de um mandato que o colocou como vanguarda e guia do povo no caminho para a revolução das esquerdas. No pós-golpe, o cineasta-intelectual procurava entender os porquês da inércia do povo, que não resistiu ao golpe e tampouco fez a revolução. O povo, até então representado nas telas como possibilidade latente para a revolução, agora aparecia como massa de manobra, como vimos em "Terra em transe", de Glauber Rocha.
No final dos anos 60 e ao longo dos 70, à crítica que se fez a cineastas que queriam representar o outro de classe, o outro oprimido, soma-se a chegada do cinema direto no Brasil. O cinema direto permitiu que o cineasta pudesse captar a imagem e o som simultaneamente. Se antes a tecnologia impedia que o cineasta ouvisse a dicção das ruas, a “voz do povo”, agora, com a tecnologia do direto, este mesmo cineasta poderia abrir mão de uma certa “voz de deus”, a locução gravada em off no estúdio, ou, em outra palavras, a “voz sociológica” da qual nos fala Jean-Claude Bernardet, em "Cineastas e imagens do povo". A partir de meados dos anos 80, Eduardo Coutinho desponta como o cineasta com maior êxito na aproximação do outro. Chamamos êxito porque é este o cineasta que vai firmar uma escola de visada antropológica, influenciando outros cineastas das décadas de 1990 e 2000 e criando um público cativo nos festivais de cinema e em determinado circuito que valoriza este novo documentário brasileiro. Tal é a força do documentário a partir do cinema direto no que diz respeito à política de dar voz ao outro que o utilizamos para traçar este trabalho. Se nosso intuito aqui é o de observar a voz do outro, a voz da primeira pessoa no cinema contemporâneo de ficção, é preciso pensar as implicações e as adaptações dessa política antropológica do documentário na ficção. A partir dos filmes "O homem que copiava" (2003), de Jorge Furtado, e "Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles, nossa questão vai girar em torno da narração em primeira pessoa. Porque primeira pessoa, olhar parcial e particular, esse olhar, em tese, deveria abrir mão de verdades universais e válidas para a coletividade. Como proclamou Lyotard, o pós-moderno anuncia o fim das metanarrativas, das grandes narrativas teleológicas que buscariam para o coletivo um fim ótimo. Entretanto, buscaremos mostrar como a verdade particular por vezes se instala num lugar de poder que a coloca como discurso absoluto, revelando contradições entre a linguagem do filme e a política a que este se propõe. Se em "O homem que copiava" a narração do personagem André coloca suas afirmações em constante dúvida, sabotando qualquer possibilidade de verdade estável, em "Cidade de Deus", Buscapé, narrador privilegiado de dentro, mesmo de classe, não obstante sua passagem para narrador de fora, representante da imprensa, pontifica e reitera constantemente seu olhar particular e o configura como visão totalizante daquele tempo-espaço da Cidade de Deus. Em outro viés, busca-se uma reflexão a partir da cobrança moral da recepção dos filmes quando o discurso do personagem se descola do discurso do realizador. Se a recepção reivindica coerência entre diretor e personagem, identificando equivocadamente a voz do narrador intradiegético (personagem) à voz do mega-narrador (o realizador do filme) para culpabilizar este último, é curioso que no documentário, gênero mais comprometido com a realidade, essa cobrança não seja tão incisiva. Poderíamos pensar, a partir disso, o lugar incômodo da ficção quando esta deixa entrever um mal-estar da recepção diante de vozes sem corpo, sem dono e, às vezes, dissonantes da moral burguesa, tradicionalmente dona do discurso. |
|
Bibliografia | NAGIB, Lúcia. A utopia no cinema brasileiro: matrizes, nostalgia, distopias.
|