ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O Trágico sob o prisma do Poético: um estudo dessa interseção no filme Dançando no Escuro |
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Autor | Maria Lina Carneiro de Carvalho |
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Resumo Expandido | O artigo tem como foco a imbricação entre o Trágico e o Poético no filme Dançando no Escuro (Dancer in the dark, 2000) de Lars von Trier. Raymond Williams defende a permanência da tragédia na atualidade, bem como a ampliação do corpus de estudo do trágico nas mais variadas expressões artísticas, como o cinema. Parto do pressuposto de que o poético se manifesta na obra como provocador de uma poeticidade trágica, ou seja, uma poeticidade também possível a partir do trágico, de uma conexão entre o trágico e o poético. Segundo Octávio Paz, o elemento poético pode estar presente nas mais variadas formas de arte. A poesia é, acima de tudo, um “diálogo com a ausência” (PAZ, 1978:13) com o vazio; assim como também é presença, epifania. Para Aristóteles, como ressalta o filósofo Peter Szondi, o trágico diz respeito ao poético, pois a poesia era dividida, na antiguidade grega, em poesia trágica, épica, lírica e cômica (SZONDI, 2004:78). Essa poeticidade trágica se manifesta no filme a partir dos devaneios da personagem Selma, a qual se vale de metáforas para expressar, poeticamente, toda a carga trágica do que vive, ao devanear que é integrante de musicais hollywoodianos. Selma é uma estrangeira tcheca, que emigrou para os EUA no intuito de trabalhar e fazer economias para a cirurgia do filho, que pode vir a sofrer no futuro a cegueira congênita da qual já sofre Selma. Ela finda por matar Bill, seu vizinho e policial da pequena comunidade onde vive, o qual havia roubado o dinheiro reservado para a cirurgia de Gene, seu filho. É nesses momentos de devaneios, quando Selma se vale de uma linguagem metafórica pra expressar o que sente, que toda a densidade trágica de sua trajetória é expressada através do poético. Como na cena em que diz que o “tempo que leva pra uma lágrima cair, para um coração bater descompassado, para uma cobra mudar de pele, para um espinho crescer em uma rocha” é o tempo necessário para que seja perdoada por Bill. Evidencia-se nesse momento o “dilema ético interior” (LESKY, 1971:27) no qual Selma se vê enredada, característico das trajetórias dos heróis trágicos. Tal herói é aquele que sucumbe ao cometer sua hamartía (o erro provocador de seu infortúnio), destituído da capacidade de manter-se senhor de si. É “agente e paciente ao mesmo tempo, culpado e inocente, lúcido e cego” (VERNANT E NAQUET, 1999:10), ressaltando-se que não é a morte do herói que define o trágico, mas o fato dele “sucumbir no caminho que tomou justamente para fugir da ruína” (SZONDI, 2004:89). Não é a morte de Selma ao final que define o trágico no filme,mas o fato de Selma ter emigrado para os Estados Unidos na esperança de boa-aventurança e lá encontrar sua ruína. Outro momento em que essa poeticidade trágica pode ser percebida pela fala da protagonista se dá no momento em que ela canta que não há mais nada o que ver, quando está na iminência de perder a visão:“Eu vi as árvores, eu vi as folhas do salgueiro dançando com a brisa, eu vi um homem ser morto por sua melhor amiga, não há mais nada o que ver”. Dançando no Escuro, como herdeiro que é do movimento Dogma 95, se vale do uso da metalinguagem, como forma de evidenciar o código cinematográfico e denunciar a narrativa clássica convencionalizada. Mas esse uso também pode ser visto como forma de construção desse poético-trágico, a partir de suas zonas de indeterminação (isto é, dos “vazios” do filme, aberturas para a interpretação do espectador), o que o aproxima das proposições de um cinema de poesia, segundo Érika Savernini, que retoma os ideais de um cinema de poesia propostos por Pasolini na obra Empirismo Herege (1982).No cinema de poesia, os “deslocamentos e desvios da norma procurados pretendem a construção de um sentido além da denúncia do código” (SAVERNINI, 2004:55), pretendem a construção de um sentido poético. E no caso de Dançando no Escuro, segundo a visão desse artigo, um poético-trágico. |
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Bibliografia | ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Ars Poética, 1992.
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