ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A catástrofe do sentido: o Brasil em três fotogramas dos anos 1930 |
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Autor | Thais Blank |
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Resumo Expandido | Ao longo de toda a década de 1930, o espectro de uma nova guerra ronda a Europa. Os preparativos para o conflito não se resumem à corrida armamentista. O rearmamento dos espíritos – as ações com vistas elevar o “moral” da população civil – também estavam entre as prioridades. Sob a ditadura de Vargas, o Brasil é uma peça importante que ainda não decidiu de que lado irá alinhar-se.
O papel do cinema com instrumento de propaganda política, antes e durante a Segunda Guerra, é um tema recorrente de pesquisa. No entanto, perduram algumas importantes lacunas na bibliografia acerca do assunto, particularmente no que diz respeito ao Brasil. Durante a década de 1930, e até 1941 – quando a inclinação pelos Aliados finalmente consolidou-se –, Estados Unidos, Itália, Japão e Alemanha produziram documentários e trechos de cinejornais acerca de seu virtual parceiro no Sul da América. Brasis imaginados para encher os olhos de suas próprias platéias nacionais; filmes cujo sentido só pode ser verdadeiramente apreendido quando reencontramos neles a urgência que os informa: o senso de perigo, a ferida aguda do Real, que a montagem procura “resolver”. Retomando as proposições de Walter Benjamin acerca da imagem dialética – que relampeja em um momento de perigo – e as reflexões de Roland Barthes sobre a fotografia e o fotograma, este texto analisa três fotogramas extraídos de cinejornais alemães realizados pela Ufa (Universum Film A.G). Foram selecionados em um universo de seis filmes. Cinco deles focalizam os laços entre o Brasil e a Alemanha, expressos de duas maneiras: linhas marítimas entre os dois países e a vida dos colonos alemães no sul do Brasil (enfatizando seus vínculos às tradições e à cultura da pátria mãe). Apenas um dos cinejornais diferencia-se destes, explorando, em tom etnográfico, a excentricidade e o exotismo brasileiros. Os trechos escolhidos nos filmes são representativos das três temáticas destacadas acima. Dois deles foram retirados de Auf Grober Fahrt, de 1936, que acompanha a viagem do navio-escola Karlsruhe. O primeiro, pertence à seqüência da visita ao navio de um grupo de escolares descendentes de alemães. O jovem marinheiro serve um copo de refresco a uma menina, a narração é interrompida, assim como a trilha musical, e ouvimos, em meio ao burburinho alegre das crianças, o tilintar das pedras de gelo que escorregam para dentro do copo. Não há qualquer outro trecho com som sincronizado neste filme. Como foi possível que, em meio a desfiles militares, demonstrações de ginástica e dança, e belas paisagens tropicais, apenas o som destas pequenas pedras de gelo chocando-se com o fundo do copo tenha encontrado um modo de ainda hoje ecoar em nossos ouvidos? O segundo fotograma mostra um grupo de meninas erguendo as mãos em saudação nazista. São crianças da cidade de Blumenau que recebem os marinheiros do navio Karlsruhe. Mas, entre elas, duas meninas negras também saúdam o Fürher. Enquanto no primeiro caso, é o som que interrompe a narrativa e se impõe sobre a imagem, aqui o paradoxo se instala no interior do próprio quadro. No terceiro fotograma escolhido, extraído do cinejornal Eine Brasilianische Rhapsodie, sobre a Ilha de Marajó ¬ – “um lugar beirando a mata fechada (...), onde negros, mestiços, europeus, índios, mulatas e crioulos formam uma mistura de diversas raças”, como afirma o locutor ¬– ¬vemos a mão de uma mulher que rouba jóias que estavam sobre uma mesa. A câmera – valendo-se de um plongée bem construído – rompe com a estética documental e registra em detalhe a suprema verdade antropológica. Cada uma destas três imagens encerra uma pequena catástrofe: um gesto que mancha o arianismo do quadro, um som que se sobrepõe à narrativa, um enquadramento que trai a encenação. Cada uma destas catástrofes revela os limites retóricos da imagem e, por isso mesmo, tudo que esperamos dela em um momento de perigo. |
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Bibliografia | AGAMBEN, G.. Homo Sacer, o poder soberano e a vida nua 1. Belo Horizonte: UFMG, 2007
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