ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Soberania e arte em Ivan, O Terrível |
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Autor | Caio Rubens Amado de Mattos |
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Resumo Expandido | Mesmo feito sob condições políticas adversas e inacabado, o último filme de Eisenstein não só reafirma o projeto de cinema intelectual do cineasta quanto o conduz a uma via mais sutil,complexa e problematizante.Monumento ao poder absoluto,IVAN, O TERRÍVEL (em suas duas partes, consideradas como obra única) contém,em sua estruturação interna, o avesso da mesma apologia que faz, ao manifestar,reflexivamente, o processo da constituição de si, processo que entrelaça política e arte.O núcleo temático é a formação do Estado, enfocado em múltiplas dimensões. A propriamente política refere-se à construção de uma unidade fechada e exclusiva, cujo pressuposto é o extermínio.A dimensão religiosa é a elevação à condição divina do titular da soberania, que só assim se funda. Enfim,a dimensão estética trata da criação da imagem (na concepção eisensteiniana do efeito de representações que se chocam) da identificação do homem vivo com a divindade; neste último caso, problematiza-se o próprio cinema.
O conceito, o intelectual, em Eisenstein, não se contrapõe ao emocional e ao sensível,é antes a resultante mais elevada da composição de violentos impulsos dirigidos à sensibilidade e à emoção. Tais impulsos (chamados atrações, ou parâmetros) englobam a plástica de cada enquadramento, os movimentos dentro de cada plano, as relações entre planos (montagem num sentido restrito),entre imagens e sons etc. Sua composição corresponde ao conceito eisensteiniano ampliado de montagem. Menos preocupado que teóricos contemporâneos, particularmente dos anos 1920, em distinguir o cinema das outras artes que buscar aproximações com elas, Eisenstein nada recusa da pintura, da arquitetura, da escultura, do teatro, da música, chegando a projetar, hiperbolicamente, a idéia de montagem sobre todas estas manifestações. A montagem é o modo de pensar da arte. Assim, em IVAN, O TERRÍVEL, o núcleo temático e seus desdobramentos acima resumidos só podem ser encontrados no entrechoque dos componentes visuais e sonoros do filme. Por exemplo, em figuras geométricas. Em sua análise, Kristin Thompson chama a atenção para as formas circulares. Pode-se acrescentar e contrapor ao círculo, como imagem da soberania (à qual corresponde, entre outras, a recorrente e concreta figura circular do olho), o triângulo como seu contrário, associado aos limites e obstáculos ao projeto de soberania do tzar. A disposição triangular dos signos do poder, a coroa, o cetro e o globo, assim como a disposição das cabeças de Ivan, Kurbski e Kolishev (seus futuros inimigos) no segmento da chuva de ouro, ambas na sequência inicial da coroação, revelam um dispositivo que, ao tempo em que eleva Ivan à condição de monarca, o limita, subordinando-o aos boiardos e à Igreja. De grande importância é o modo como o filme incorpora temas e procedimentos da arte barroca. Algumas sequências e segmentos exemplificam o modo de leitura do filme. A sequência da doença de Ivan e seu apelo aos boiardos mobiliza outras artes; neste caso, a escultura e, principalmente, o teatro.A agonia de Ivan, nunca se explicitando se real ou fingida, é uma estranha representação cênica onde o jogo de olhares entre público e platéia se invertem, onde súplica e ameaça, vítima propiciatória e verdugo universal se sobrepõem. Quanto à “montagem” de segmentos de duas outras sequências (incluindo a última da primeira parte) trata-se da narração de uma ascese: através dos procedimentos característicos da arte barroca (CARERI), onde se manifesta uma referência alegórica ao cinema, o homem Ivan torna-se Deus, isto é, Soberano, isto é, a encarnação viva do Estado. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Montage Eisenstein, Paris: Albatros, 1979.
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