ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Exu-Piá, um outro diálogo com Macunaíma |
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Autor | Elizabeth Maria Mendonça Real |
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Resumo Expandido | Figura do lendário indígena amazônico, Macunaíma tornou-se o herói (ou anti-herói) de Mário de Andrade em 1928, no livro Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. O livro é uma espécie de lenda moderna, que flagra um momento de transição do país, do arcaico ainda arraigado nas profundezas do interior brasileiro para a sociedade contemporânea do mundo urbano e do consumo. Macunaíma foi adaptado para o teatro, em 1978, pelo diretor Antunes Filho e o grupo Arte Pau-Brasil, e para o cinema em duas versões: em 1969, por Joaquim Pedro de Andrade, e, em 1984, pelo diretor Paulo Veríssimo.
Exu-Piá, Coração de Macunaíma, a versão de Paulo Veríssimo para o livro de Mário de Andrade, nunca foi exibido em circuito comercial, embora tenha recebido o prêmio de melhor filme em 16mm do 18º Festival de Brasília, em 1985, e tenha sido um dos selecionados para representar o Brasil na seção Fórum do Festival de Berlim, no mesmo ano. Passou por um longo processo de realização, desde as primeiras filmagens – a documentação da peça de Antunes Filho. Extremamente fragmentado, Exu-Piá constitui-se como uma heterogeneidade de elementos derivados de fontes diversas, como um quadro partido de situações que desafia a compreensão do espectador. A intenção do diretor não era recriar no cinema a história de Macunaíma, mas dialogar com ela. Ele parte de um suposto retorno do personagem diretamente do espaço, para onde partira, transformado em estrela, no final do livro de Mário de Andrade. O eixo narrativo do filme não se detém no livro, incorporando como filho de Macunaíma o personagem Mitavaí, figura do lendário indígena que foi tema da escola de samba Unidos da Tijuca, em 1981. Este filme de Paulo Veríssimo pode ser entendido como manifestação de um Tropicalismo tardio, flagrada no interesse do cineasta pela busca de uma identidade brasileira, no retorno à fonte modernista de Mário de Andrade e na própria construção heterogênea do filme, que lhe dá uma textura de colagem de elementos diversos, que justapõe modernidade e tradição. O próprio diretor se declarava, em entrevista, “um tropicalista de primeira hora”. Em seu filme, flagramos um diálogo tanto com o Cinema Novo, por intermédio do filme de Joaquim Pedro, quanto com o Cinema Marginal, em especial o filme de Rogério Sganzerla, O bandido da luz vermelha, de 1968. O diretor incorpora elementos da cultura de massa, ao exibir Grande Othelo vestido de ET; ao mostrar os cartoons americanos na TV; ao dar destaque a dois locutores sertanejos no rádio; ao estampar na tela, como recurso narrativo, o cartaz luminoso e o outdoor que remetem ao mundo urbano e à publicidade; ao evocar personagens clássicos de Hollywood, como King Kong e Tarzan. Na montagem fragmentária e ágil, há também inserts de elementos da cultura popular, como as danças dramáticas folclóricas, filmadas no Pará, uma provável referência ao Mário de Andrade folclorista, autor do livro Danças dramáticas do Brasil: folclore. Identificado com as questões do período tropicalista, em Exu-Piá, Veríssimo procura mostrar a multiplicidade da identidade brasileira, fragmentada no Macunaíma negro, no Macunaíma caboclo e em Mitavaí. O Macunaíma de Paulo Veríssimo é um personagem quase ingênuo, encarnado, por exemplo, em Garrincha, o jogador brilhante e alegre que morreu na miséria. Em vez da mata virgem, a favela. Enquanto São Paulo surge como paradigma da cidade moderna, com seus altos edifícios contrapostos às árvores da floresta, o Rio de Janeiro aparece como lugar da síntese cultural que delineia a nova “identidade brasileira”, onde o samba ou a música pop, a praia, a religião negra na tradição de tia Ciata, a mulata, o futebol e o carnaval tornam-se a fonte das raízes populares. O malandro – Macunaíma ou Garrincha – apresenta-se como figura de resistência cultural. Desde suas origens, ele representa um corte com o projeto desenvolvimentista nacional, batendo de frente com a idéia da modernização conservadora. |
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Bibliografia | ANDRADE, Mario. Macunaíma. O herói sem nenhum caráter. São Paulo: Livraria Martins Editora.
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