ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Pontos de vista em documentários periféricos |
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Autor | Gustavo Souza |
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Resumo Expandido | O final dos anos 90 e início dos anos 2000 foi um período em que o documentário brasileiro conheceu novos itinerários. Viu-se o crescimento da produção e sua posterior exibição, não somente em festivais ou mostras específicas, mas também em salas do circuito comercial, conferindo-lhe uma visibilidade há tempos não vista. Enquanto o documentário ganhava expansão perante o público, a crítica e os profissionais, moradores de subúrbios, morros e periferias começavam a experimentar uma outra forma de contar histórias: a partir de filmes realizados em oficinas de cinema e audiovisual espalhadas por diversas cidades brasileiras. Hoje, a necessidade de ter a clareza sobre o potencial de uma imagem e saber utilizá-lo é imprescindível, e como muitos envolvidos neste processo fazem questão de frisar, não há mediadores; ou seja, o periférico passa agora de personagem, que por décadas causou (e ainda causa, de certo modo) um intenso fascínio entre documentaristas, a realizador, a contador de sua própria história.
Um dos aspectos que chama a atenção neste tipo de ressalva é a reivindicação de uma certa “pureza” de um olhar periférico – discurso este carregado de demarcações políticas, que reivindica a constituição de um espaço legível para a periferia hoje no cenário da produção artística. Mas a própria maneira como este tipo de produção se constitui já nos indica que este genuíno olhar de dentro está passível de discussão. Inicialmente, a prática do cinema chegou até esses espaços por meio de oficinas cujas aulas eram ministradas por oficineiros de fora da periferia, que compartilharam seu repertório e experiências, o que interfere (in)diretamente na formação do olhar do aluno. Outra questão diz respeito à metodologia adotada por oficinas e projetos. Em muitos casos, o aluno não participa da montagem do filme que ajudou a realizar, desestabilizando a suposta ausência de mediação e a perspectiva de uma autoria única. Este rápido panorama já nos sugere pontos importantes para o debate acerca do cinema feito nas periferias, de modo que para esta comunicação centraremos as atenções no vínculo que se estabelece entre um discurso político prévio sobre este tipo de realização e suas materializações estéticas nos filmes produzidos. Vários documentários realizados em oficinas nos conduziram a este debate. E como abordar todos aqui se torna inviável, selecionamos três deles, feitos entre 2002 e 2006, em oficinas sediadas em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. O primeiro é Super gato contra o apagão (Oficinas Kinoforum, SP, 2002). O filme aborda o cotidiano daqueles que estão à margem no fornecimento legal de energia e ensina, como uma espécie de “manual prático”, a realizar ligações clandestinas. No cruzamento dos eixos (Oficina de Imagem Popular, DF, 2006) se mostra como um ensaio sobre a rodoviária do Plano Piloto de Brasília. Dispensando depoimentos e apostando no potencial das imagens e do som ambiente, aborda diversos aspectos que compõem o cotidiano de uma rodoviária. Já Noite Aberta? (Laboratório Crítico, RJ, 2006), a partir de uma “colagem” de imagens da programação da TV aberta brasileira reflete sobre a importância e o papel da televisão na atualidade. O que conecta estes três filmes é a abordagem de temas urgentes do Brasil contemporâneo, no sentido atribuído por Baqué (2006), em que o estímulo ao debate reativa o político. A análise dos filmes citados nos conduz ao referencial teórico que orienta este trabalho. Partimos da noção de “ponto de vista”, discutida por Aumont (1985), segundo o qual o ponto de vista no cinema pode assumir diversos “formatos”, tais como a materialização de uma representação, a maneira como autor, narrador e personagem aparecem na narrativa ou as opções de linguagem. E, com base na discussão apresentada por Rancière entre política e estética, queremos discutir se há de fato este olhar e que elementos discursivos e estéticos contribuem para a construção de uma imagem singular por parte da periferia. |
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Bibliografia | ALVARENGA, Clarisse & HIKIJI, Rose S.. “De dentro do bagulho: o vídeo a partir da periferia”. Sexta-feira. nº 8. São Paulo: Ed. 34, 2006.
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