ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Tempos de morrer: narrativas do suicídio no cinema contemporâneo |
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Autor | Ericson Telles Saint Clair |
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Resumo Expandido | Neste trabalho, buscamos investigar a questão da construção da narrativa da temporalidade do suicídio no cinema contemporâneo. Analisamos quatro produções da década atual: The hours (Stephen Daldry, 2002), com sua atmosfera woolfiana; Last days (Gus van Sant, 2005), inspirado nos últimos dias do cantor Kurt Cobain; Control (Anton Corbijn, 2007), cinebiografia do vocalista da banda Joy Division; e o instigante documentário The bridge (Eric Steel, 2006), a respeito dos suicídios praticados na Golden Gate de São Francisco, EUA. Neste último, foram filmados 24 suicídios ocorridos ao longo de um ano de observação da movimentação na ponte. Nossa hipótese principal sugere que é no domínio da temporalidade que diferem os tratamentos narrativos da depressão e do suicídio no cinema em relação a outras mídias. A temporalidade do suicídio e das patologias mentais na mídia informativa tradicional é descrita quase que exclusivamente em termos de cálculo de risco, ratificando os ditames do biopoder contemporâneo, para o qual a única possibilidade de construção de futuro se dá no contexto de uma colonização do presente, segundo regulações estritas e ações sobre ações possíveis. Trata-se de um aprofundamento da atenção destinada ao suicídio desde o século XIX, quando este passou a ser tema de análises sociológicas e psicanalíticas, pois “fazia aparecer, nas fronteiras e nos interstícios do poder, o direito individual e privado de morrer” (FOUCAULT, 2006, 151). A mídia tradicional prioriza o tempo curto, automático e eficaz da ação preventiva, aliando-se assim à promessa mais radical das tecnociências, especialmente das tecnologias ligadas à administração da vida, de um afastamento da morte através de intervenções variadas que fazem da nossa era a de uma medicalização crescente. O desejo de morte, por sua vez, deve ser erradicado. Por esta razão, a melancolia e o sofrimento devem ser evitados ou “tratados”. Por outro lado, a temporalidade cinematográfica permite experimentações outras das variações rítimicas que conduzem ao caso limite do suicídio. No trabalho, a partir dos filmes indicados, percebemos que a composição temporal das imagens da morte causada por si próprio é, no cinema, qualitativamente diferente do tempo do risco midiático tradicional, procurando focar o suicídio a partir das durações das imagens-lembrança que a ele conduzem em vez das ações vinculadas às memórias-hábito que o evitam. Nos filmes aqui analisados, o suicídio é pressuposto desde sempre, e seu estar-lá inevitável é o propulsor dos tempos arrastados e angustiantes que se constroem. Os anos de Ian Curtis, os dias de Kurt Cobain, as horas de Virginia Woolf e os minutos dos anônimos que pulam da Golden Gate: os atos da morte em si importam menos do que o lento, silencioso e insidioso caminho que a eles induz. Talvez apenas o cinema seja capaz de explorar com tal minúcia a dimensão temporal do suicídio atualmente, pois tornou-se o meio artístico definidor da experiência temporal, desde a modernidade, na simbiose entre a intensidade tanto do instante quanto de sua evanescência, quando comparado a outro instante. Procurando afastar-nos de qualquer abordagem judicativa, indicamos de que forma a estetização do suicídio no cinema pode ser um importante elemento do dispositivo biopolítico contemporâneo, ao definir tempos da fadiga de si possíveis de serem vivenciados e, certamente, refletidos. |
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Bibliografia | BERGSON, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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