ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Jogos de cena: indeterminação e ambigüidade sob suspeita em alguns filmes brasileiros recentes |
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Autor | Ilana Feldman |
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Resumo Expandido | Práticas confessionais, ensaísmo e autoficção são escolhas e procedimentos estéticos empregados em um número crescente de filmes brasileiros, sobretudo aqueles tomados por documentais (ou falsamente documentais). Tais escolham dialogam, criticamente ou não, com uma cultura audiovisual colonizada por estratégias que visam a intensificação dos efeitos de verdade, seja por meio da apropriação e captura das velhas marcas da reflexividade (tomada agora como indicialidade testemunhal), seja por meio do investimento na exposição de uma suposta intimidade como lócus privilegiado (ou mesmo garantia) da verdade do sujeito.
No bojo dessa cultura audiovisual atravessada por clichês, capturas e reduções - da qual também faz parte certos discursos críticos de legitimação -, alguns filmes brasileiros contemporâneos tentam escovar a contrapelo a busca pelo efeito de verdade pautado tanto por estratégias outrora reflexivas quanto por práticas confessionais. Para tanto, investem na opacidade, na explicitação das mediações e na problematização das próprias prerrogativas, destilando dúvidas, colocando sob suspeita suas imagens e procedimentos ou produzindo suas próprias falsificações e esquivas. Nesse contexto, em que poderíamos mencionar os filmes “Jogo de cena” (Eduardo Coutinho, 2007), “Santiago” (João Salles, 2007) e “Serras da desordem” (Andréa Tonacci, 2006), para citarmos alguns exemplos, seria possível destacar também os recentes “Pan-Cinema Permanente” (Carlos Nader, 2008) e “Filmefobia” (Kiko Goifman, 2009). Esses dois últimos filmes oferecem-nos uma plêiade de pressupostos e procedimentos estéticos muito próximos, porém absolutamente distanciados no que se refere a seus efeitos políticos. Como diria a máxima foucaultiana, trata-se aqui de “práticas semelhantes e sentidos distintos”. Enquanto “Pan-Cinema Permanente” investe nas performances mediadas e nas autoficções de Waly Salomão, explorando a radical opacidade que se instala entre ele, a câmera, o mundo e o outro, ao mesmo tempo em que parte de uma busca, quase romântica, pela verdade da imagem, uma imagem que teria de ser não-performática (busca que, desde o início, se revelará fracassada), “Filmefobia” encena ser um filme sobre o processo de registro do filme a que estamos assistindo, simulando a busca por uma imagem e por uma experiência (em seu sentido laboratorial) verdadeiras: “A única imagem verdadeira é a do fóbico diante de sua fobia”, nos diz Jean-Claude Bernardet, o personagem, idealizador dos experimentos behavioristas e, mesmo, biopolíticos, que acompanharemos a partir de então. Tanto “Pan-cinema” como “Filmefobia”, a despeito de suas evidentes diferenças estéticas e de seus diferentes efeitos políticos, atuam em um horizonte de instabilidade e indeterminação - como a tensão que se instaura entre autenticidade e encenação, pessoa e personagem, público e privado, intimidade e visibilidade, verdade e ficção. No entanto, se as potências da ambigüidade, operando enquanto potências estéticas, podem ser marcas de um cinema que se reconhece, de alguma forma, como crítico aos poderes e saberes dominantes, a figura da indeterminação, esquiva, sedutora e ardilosa, também pode ser pensada como aquilo que, justamente, legitima a incidência do poder sobre a vida em situações de exceção. Como, portanto, conciliar o paradoxo de que um procedimento potente esteticamente pode operar de modo tão impotente politicamente? Mas o paradoxo não é justamente o terreno do inconciliável e do irresolúvel? É preciso pensar contra si mesmo, como já sugeriram alguns filósofos: questionar (nossos próprios) valores, desnaturalizar (nossos próprios) pressupostos, se desfazer como sujeito. É preciso reconhecer que, se a política opera esteticamente, nem toda estética e nem toda crítica operariam politicamente. Portanto, a suspeita deveria recair não apenas sobre as imagens, essencialmente ambíguas, mas também sobre os discursos que as questionam e legitimam. |
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Bibliografia | AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
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