ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Spiral Jetty: não-lugar cinemático de Robert Smithson |
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Autor | Fernanda Lopes Torres |
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Resumo Expandido | O objetivo é examinar a relação entre o filme Spiral Jetty e o texto homônimo a fim de verificar como tais produções multiplicam e simultaneamente focalizam o trabalho realizado num lago em Utah por Robert Smithson. O lugar Spiral constitui com fotos, texto e filme uma dialética entre lugar e não-lugar - jogo entre realidade e representação, resistente a espaço e tempo específicos, próprio de toda arte - que ganha a especificidade contemporânea de entropia temporal.
Se filme/texto Spiral não constitui o lugar Spiral, eles ali fixam um foco; aspiram a revelar seu todo, nada menos do que o mundo, “periferia fora de foco onde a mente perde os limites e é preenchida por uma sensação de oceânico” (lugar). Filme/texto (não-lugar) é topos metonímico que ganha vida própria sendo tomado pelo lugar em si, pois o traz a um centro – galeria de arte, página de livro ou tela de cinema. A dialética lugar/não-lugar não implica volta à natureza, lida com a paisagem co-extensiva à galeria, no terreno próprio à linguagem. Na terminologia do artista, o lugar atira você para fora, para o mundo ilimitado, onde não há onde se agarrar a não ser nos registros, mapa/texto/filme (não-lugar), que o levam a algum lugar, mas quando lá se chega não se sabe realmente onde está. Tal evasão é própria da linguagem, entendida por Smithson como museu infinito cujo centro está em todo lugar e cujos limites estão em nenhum lugar (Pascal). O jogo lugar/não-lugar vira remissão/refração ininterrupta de imagens literárias/foto/cinematográficas consideradas em sua materialidade e seu papel entrópico. Testemunhas in loco da inexistência de significado imediato, tais imagens evidenciam a condição contemporânea do caráter remoto do mundo. Palavras e imagens não são signos abstratos para coisas concretas, têm um tipo de presença física equivalente à obra “real”. Lemos sobre o estado indeterminado de lugar e não-lugar e vemos a alternância de tomadas da água do lago e da terra que o circunda ao longo do filme. Ou a sensação de repouso agitado provocada por leitos irregulares de rochas que dá à região uma aparência destroçada a permitir ao artista descobrir a forma da obra. Spiral emerge da atualidade de uma sensação giratória sem movimento: longe de qualquer conceito/abstração, a estrutura espiral está na própria película - espiral feita de quadros-, e no helicóptero (o grego helix significa espiral) de onde são feitas as últimas tomadas. Em movimento circular, a câmera dribla o sol até chegar ao centro da obra. Vemos materializar-se na tela o círculo do reflexo do sol na lente – espécie distinta de remissão à estrutura espiral. “Seguindo os passos da espiral retornamos a nossas origens”, observa Smithson, que faz do filme “uma espécie de mapa que mostra o mundo pré-histórico como co-extensivo ao mundo” onde ele existia. Daí a ênfase ao tempo em escala geológica, e não histórica, com recurso à edição de imagens de dinossauros. Um sentimento de volta às origens nasce do lento processo de destruição do mundo, marcado aqui no terreno escolhido, cheio de fragmentos de produtos remanescentes de uma indústria, dejetos equivalentes à “sucessão de sistemas feitos pelo homem enlameado em esperanças abandonadas”. O trabalho nasce destruído, sabe o artista que o explora na montagem de imagens que abarcam sua amplitude física - de microscópicos cristais de sal do lago à visão aérea do helicóptero - e temporal - de dinossauros pré-históricos a seu atual estado, em foto na parede de uma sala, na última cena. À frente da foto, uma mesa repleta de lentes, fotômetros, filtros sintetiza a quantidade de instrumentos de mediação capaz de incrementar o irremediável caráter remoto do mundo, ainda que somente então começamos a compreender melhor tal caráter. Resignado a câmeras por seu poder de inventar muitos mundos, Smithson entende a moviola como máquina do tempo que transforma tratores em dinossauros - máquina que conserva na película-espiral a condição contemporânea de entropia temporal. |
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Bibliografia | BOHRER, Karl-Heinz. Suddenness: on the moment of aesthetic appearance. New York: Columbia University Press, 1994.
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