ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Um segredo de jorobado - mystères autour d’un film / questões de lacunas e interpretações |
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Autor | Carlos Roberto de Souza |
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Resumo Expandido | Paulo Emilio dizia, entre sério e brincalhão, que um dos filmes mais misteriosos do cinema brasileiro era O Segredo do corcunda (Alberto Traversa, 1924), onde não havia nem corcunda nem segredo.
Esse filme é bastante conhecido pelos estudiosos de nosso cinema antigo, mas poucos têm informações sobre as peripécias que cercam os diferentes materiais que deram origem à(s) versão(ões) hoje existente(s), e quase nenhum se dá conta das lacunas que volta e meia se manifestam em algumas de suas cenas. A história de O Segredo do corcunda começa no início dos anos de 1950, quando Caio Scheiby, da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (futura Cinemateca Brasileira) localiza uma cópia do filme e a inclui na II Retrospectiva de Cinema Brasileiro, organizada em 1954 no conjunto das atividades do I Festival Internacional de Cinema de São Paulo. Já na década de 1970, a Cinemateca Brasileira cedeu à Embrafilme uma cópia do filme para compor uma mostra alusiva à um aniversário do cinema brasileiro. Cópia que se perdeu antes que os técnicos da Cinemateca se dessem conta de que o contratipo a partir do qual teoricamente fora tirada a cópia em questão revelara-se incompleto: faltava um rolo, exatamente aquele em que uma das personagens masculinas revelava o seu “segredo” e, consequentemente, revelava-se a si própria como “o corcunda”. Durante os anos seguintes, o filme permaneceu sem a sequência da revelação do segredo. Em circunstâncias pouco claras, a pesquisadora Hilda Machado, professora da UFF, localizou uma cópia nitrato de O Segredo do corcunda e a depositou no Centro Técnico Audiovisual, do Rio de Janeiro, então ligado à Funarte. Sem sua autorização, o filme foi duplicado no laboratório da Filmoteca de la Universidad Autónoma de México. Por mais que eu tentasse, ninguém me esclarecia se a cópia encontrada continha a revelação do segredo. Incluído numa mostra de filmes, paralela ao Congresso da Fiaf de Madri, em 1999, o filme não chegou a tempo de ser exibido. Posteriormente, Hilda Machado conseguiu de volta sua cópia e a levou para a Cinemateca Brasileira onde passamos juntos três dias examinando em mesa-enroladeira e anotando as diferentes partes do filme. Esse material contém apenas parte da “revelação do segredo”, mas possui algumas imagens inéditas até então, pelo menos para mim, como uma “perseguição nos pampas gaúchos” filmada na Vila Clementino, em São Paulo, nas quais se vêm partes dos edifícios do antigo Matadouro de São Paulo (futura sede da Cinemateca Brasileira). Recordo-me também de haver anotado imagens inexistentes na cópia da Cinemateca da cena da morte da mãe do herói e um bestiário muito mais profuso. Hilda Machado levou todas as anotações com objetivo de ordená-las. Problemas familiares protelaram a tarefa e a morte prematura da pesquisadora impediu-me o acesso àquelas anotações. Nesse ínterim, o professor Eduardo Morettin recebeu de uma aluna de um curso de pós-graduação, na USP, um VHS – que teria sido mandado a ela por um parente de Portugal – com uma cópia de O Segredo do corcunda na qual consta a sequência da “revelação do segredo”. Paolo Cherchi Usai, ao escrever sobre os problemas que atingem os filmes das primeiras décadas do cinema, conceitua “lacuna” em termos de perdas físicas na imagem e perdas de fragmentos maiores ou menos que interferem ou modificam a compreensão do enredo ou estrutura narrativa. Em termos de cinema silencioso brasileiro, período do qual em muitos casos o que existe dos filmes são apenas fragmentos, O Segredo do corcunda parece exemplar para a abordagem do conceito de lacuna. Diferentemente de algumas abordagens ao filme feitas até o momento, que se concentram, sobretudo, na abundância de intertítulos e sua variedade de estilos (citações latinas, pentagramas musicais, versos líricos, linguagem caipira, etc.), concentrarei a comunicação na interpretação das imagens possíveis dos diferentes materiais dos filmes. |
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Bibliografia | CHERCHI USAI, Paolo. Silent cinema – an introduction. Londres: British Film Institute, 2003.
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