ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Trucagem: uma técnica anônima e fascinante – o vago exemplo de Alma do Brasil |
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Autor | Marcello Giovanni Tassara |
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Resumo Expandido | As inovações tecnológicas que deram forma à arte cinematográfica, marcando indelevelmente a cultura do Século XX, nasceram de inocentes brinquedos óticos, com nomes bizarros (fenaquistoscópio, praxinoscópio etc), que encantavam as pessoas nos salões e feiras européias, a partir da segunda metade do século precedente. Mas, foi somente com a invenção da fotografia que esse vagalhão tomou verdadeiramente corpo, em uma história meteórica e, talvez por isso, cheia de lacunas. Para reconhecer as primeiras linhas de seu traçado, no começo da aventura, não precisamos sequer sair do território francês. Desde logo podem-se distinguir dois caminhos seguidos pela nova arte. Por um lado, a jornada estafante do cinema de animação, obrigando gente do porte de um Émile Cohl a debruçar-se por horas a fio sobre a prancheta de desenho, em um esforço no qual se buscava a materialização ds mundos adormecidos no inconsciente coletivo e a criação de sonhos insuspeitos. Por outro, a trilha escolhida pelos irmãos Lumière, precupados em capturar, aprisionar, registrar e documetar a realidade do mundo factual. Em ambos os caminhos, no entanto, logo percebiam-se os sinais de um desejo e de uma preocupação voltada para novas maneiras de narrar. Com um pé em uma das estrada e o outro na outra, foi Méliès um dos pioneiros que reuniu as duas tendências, um dos criadores das técnicas até hoje conhecidas como trucagem. Uma técnica que consiste, basicamente, em refilmar, reinterpretar com a voz ativa da criatividade, imagens previamente captadas pela câmera. Em outras palavras, criar, usando o que já foi criado como matérial bruto. Nesse sentido, é impossível esquecer-se de uma obra-prima, Pas-de-deux, realizada por Norman McLaren com o emprego dessa técnica. Concebidos profissionalmente, no entanto, tais recursos só chegaram ao Brasil por volta dos anos 50, marcados pela aquisição de uma truca (ou optical printer) da marca Acme: equipamento com o qual se realizaram os primeiros efeitos especiais óticos. Apesar disso, esta tecnologia, tão útil no desenvolvimento da linguagem cinematográfica, só veio a ser amplamente utilizada no cinema publicitário, o primo rico do cinema, através do qual a criação de sonhos rendia lucros que justificavam seu emprego, altamente dispendioso. Antes do florescimento desse gênero no Brasil, são muito raros os exemplos de sua utilização. Um interessante exemplo pode ser encontrado no filme Aitaré da Praia, no qual os créditos iniciais foram filmados com letras avulsas, segundo uma técnica de animação aparentada com a trucagem e adotada anos depois por McLaren em seu Rythmetic. Outro exemplo, bastante significativo do emprego de trucagens em filmes brasileiros mudos, pode ser encontrado em Alma do Brasil, de Líbero Luxardo. Nesse filme, identificam-se cinco momentos em que o autor optou pelo uso de efeitos, embora não contando com equipamentos tão modernos para a época como os da Vera Cruz. Em dois momentos vêem-se imagens compostas (efeito conhecido pelo termo inglês split-screen), com o fotograma dividido em várias partes. Na primeira, uma divisão em “V” corta a moldura em três partes, com a inserção de imagens diferentes em cada uma. Na outra cena, uma forma de losango separa várias imagens na mesma tela. Em outros dois momentos do filme, podemos ver exércitos em marcha, sobrepostos a tomadas em close, como se saindo de dentro delas. Ainda na parte final do filme, uma simples fusão entre duas tomadas pode ser notada. Nos dias atuais, os antigos métodos de trucagem não passam de memória distantes na história da tecnologia cinematográfica. Os processos digitais, possibilitando a concretização de virtualmente qualquer idéia que possa ser concebida, condenaram aos museus e aos ferro-velhos as antigas trucas: esteios de tantos técnicos anônimos do passado recente do cinema. |
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Bibliografia | CERAM, C.W. Archeologia del Cinema. Trad. Angelica Comello. Milão: Mondadori, 1966.
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