ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | SE PODES OUVIR, ESCUTA: Som-imagem em Ensaio Sobre a Cegueira e considerações sobre sua gênese |
|
Autor | Kira Santos Pereira |
|
Resumo Expandido | A idéia da Crítica Genética é reconstruir e analisar a gênese de obras de arte a partir de registros materiais da criação. Diários e anotações dos artistas, bem como projetos e esboços, são índices de como se deu este processo. Reflexões posteriores, como entrevistas ou palestras, também são ferramentas importantes. No caso específico de filmes, é fundamental que se considere os diversos artistas envolvidos em sua criação, uma vez que se trata de uma arte coletiva. E além dos registros citados acima, é interessante que se analise o roteiro e as diversas versões de montagem.
Uma vez que a pesquisa está em estágio inicial, apenas alguns dos índices do processo criativo foram estudados. Para o presente estudo, serão considerados: o livro de José Saramago Ensaio sobre a cegueira, determinado aqui como o ponto zero da criação; o roteiro de filmagem, o blog Diário de Blindness, postado por Fernando Meirelles ao longo do processo de construção do filme; os cortes 1 e 7 da montagem; uma palestra proferida pelo diretor, na ECA-USP, em outubro de 2008; a entrevista concedida por ele ao programa Roda Viva, da TV cultura, em setembro do mesmo ano; além, é claro, da versão final do filme apresentada comercialmente nos cinemas. O livro a partir do qual o filme foi adaptado, devido à própria situação que aborda, uma epidemia de cegueira, utiliza a descrição de estímulos sonoros como importante ferramenta narrativa. É bastante freqüente no romance que fatos sejam narrados sob o “ponto de escuta” dos personagens cegos. Diversos teóricos de cinema, como Eisenstein e Bresson, versaram sobre as vantagens da não-coincidência, ou não-redundância entre sons e imagens numa obra cinematográfica. Seguindo esta lógica, é prática corrente em produtos audiovisuais quando se deseja “fazer o público escutar”, privá-lo da imagem. Assim, já no tema da cegueira, há a potencialidade de uma utilização ativa do som na construção da narrativa. Há registros de que ao longo do processo de criação do filme estudado esta utilização ativa do som foi um tema bastante discutido. Em palestra ministrada na Escola de Comunicações e Artes da USP em outubro de 2008, Meirelles afirmou que nas primeiras reuniões de criação do filme, a idéia era fazer “quase um programa de rádio”, ou seja, criar diversos momentos onde o público fosse privado da informação imagética, recebendo apenas estímulos sonoros. No produto final apresentado ao público, há diversas inserções curtas da tela branca, como no encontro entre o primeiro homem cego e sua mulher; ou tela negra, como na cena do porão do supermercado – ambas , a serem analisadas em detalhe. Nestes dois trechos a condução da narrativa é deixada a cargo do som, se aproximando da percepção das personagens na situação mostrada. Nos primeiros cortes a privação de imagem se fazia mais presente, e de maneira diferenciada. O desenvolvimento deste uso até o corte final será motivo de análise detalhada. Outro tema de estudo será a clara oposição entre seqüências mais ruidosas e com maior silêncio. O início do filme tem uma grande intensidade sonora, com forte ambientação de automóveis, e se opõe às seqüências que mostram a cidade cegada, muito silenciosa, com eventuais ambientações de vozes e presença de sons mais delicados.Esta oposição será estudada com a ajuda dos conceitos de audio analgesia e parede sonora, de Schafer, e extensão do espaço sonoro, de Chion. O uso da música, o uso de sons offscreen,o alto-falante do manicômio e a relação do som com a direção de arte serão temas também abordados. A conclusão parcial do estudo é que para se chegar a uma elaboração conceitual,o pensamento sobre o som não pode se iniciar depois que o filme já está montado, como freqüentemente acontece. Precisa ser planejado desde o roteiro, e pensado em cada etapa de construção do filme, da pré-produção à finalização. Em Ensaio sobre a cegueira, estas etapas são cumpridas o cuidado tomado se reflete claramente em uma rica relação audiovisual. |
|
Bibliografia | BRESSON, Robert. 2005. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras.
|