ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O documentário tem fome de quê? |
|
Autor | Marcia Paterman |
|
Resumo Expandido | Silvio Tendler, militante dos valores éticos humanistas, toma como eixo do filme uma biografia do geógrafo e nutricionista Josué de Castro para então apontar, diante da imagem da exclusão, uma saída macropolítica para a fome. Josué de Castro, como outros personagens narrados por Tendler, serve de mote para o tratamento no viés histórico e macropolítico que interessa a Tendler. No filme de 50 minutos são marcantes a indignação de Tendler com a crueldade do destino imposto a Josué, seu banimento pelo regime militar e a revolta diante do esquecimento forçado. Josué é reclamado no filme como intelectual sacrificado pelos interesses do Brasil pós-64 e o filme percorre este caminho de revolta, protesto inserido no filme após a ação afirmativa do pensamento de Josué no presente. O filme, portanto, entrelaça o ostracismo lançado pelos militares sobre o personagem com a fome hoje, apontando que a luta foi também vitimada, causando sua perpetuação. Abordando e direcionando a reflexão sobre uma trajetória pública, Tendler força a identificação dos espectadores com o projeto social defendido. Mas, sobre o mesmo tema, o cineasta Eduardo Coutinho realizou uma surpreendente produção em que desmascara os discursos sobre a vivência da fome. Ao contrário de partir de um olhar combativo e apresentar uma via de reflexão, Coutinho entrevista os catadores de lixo, e é relevante no filme a rejeição de uma postura ética reclamada pelos ideais universais, trazendo o filme a uma reflexão sobre a ética da própria representação do outro. As duas posturas nos trazem ao intenso debate sobre a retórica e as representações no documentário, para o direcionamento recente, que parte da crença na completa impossibilidade de representar e falar sobre o outro. “Que direito tem o intelectual humanista de narrar a exclusão? Como é possível pensar as margens sem reproduzir o discurso de racionalidade opressora, identificada ‘a falência dos modelos interpretativos modernos?” Nesta atmosfera de questionamento, a disputa pelo poder de fala fragiliza a terceira pessoa e põe em crise a autoridade do saber (ambos identificados à órbita “canônica”) e se movimenta à legitimação exclusiva da doação de fala, mas evitando confrontar os mecanismos de exclusão. Em lugar do instrumental em segundo grau, institui-se o regime de disseminação de fala, desconfiança no narrador solidário e militante de uma causa e a despretensão de confeccionar um projeto coletivo. A partir da década de 1980, a narrativa da “margem” trouxe um desenvolvimento que se orienta contrariamente ao pressuposto no diapasão político. Onde antes ao intelectual e ao cineasta cabia a missão de engajamento em conhecer e dar à reflexão, hoje proliferam narrativas lançadas à escuta da experiência do outro, ao compartilhamento de fala e a descortinar os mecanismos de feitura e recepção das representações. É o que percebemos em filmes como Boca de Lixo, Estamira e ‘A margem da imagem, por exemplo. Mas nos perguntamos se a doação desta produção de sentido não foi esgarçada a tal ponto que reste apenas admitir que há sempre mediação dessa experiência e impossibilidade de acesso. Como, a partir de tais filmes, falar da fome ou deixar que ela fale por imagens, sem ser influenciado por ela? Como tratar da fome sem buscar com estas vivências algum elemento de revolta, ainda que se faça um filme sobre a prerrogativa da falência do modelo de intervenção? O objetivo do trabalho é questionar os fundamentos da crise da representação da exclusão no documentário e observar ainda o comportamento de Garapa (2009), de José Padilha, que se posiciona de forma ambígua na controvérsia. Divido entre apresentar a vivência da fome em capturas não-mediadas, e intervir com estatísticas e fotografia em P&B, Padilha vivencia o mal-estar contemporâneo, que pretendemos pensar a partir do vazio deixado pela crítica ao humanismo. |
|
Bibliografia | BARNOUW, E. Documentary – A History of the Non-Fiction Film. Nova Iorque: Oxford University Press, 1993.
|