ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | 'Fabula technologica': tecnologia e realidade em 'Sleep dealer', de Alex de Rivera |
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Autor | Adalberto Muller Junior |
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Resumo Expandido | Imagine-se um futuro em que o trabalho se tornou virtual: tudo é feito através de sensores que permitem operar à distância robôs e máquinas; imagine-se um mundo em que a internet chegou ao seu limite máximo de expansão, sendo capaz de conectar em rede não apenas computadores, mas os corpos e a própria memória das pessoas, transmitindo sensações corporais e imagens mentais. Tudo isso seria um paraíso, se não houvesse fronteiras delimitando, fisicamente, os espaços e as pessoas. Tal é o mundo interpretado no filme sci-fi "Sleep Dealer", do cyberartista e diretor mexicano Alex de Rivera. Não é por acaso que a ação do filme se passa em Tijuana, na fronteira dos EUA com o México, num futuro não muito distante. Se antes, na perspectiva de N.G. Canclini, se antevia, a partir de Tijuana, o modelo de um novo tipo de mescla intercultural, capaz de fazer repensar as fronteiras nacionais em função de novos fluxos migratórios (“migrações multidirecionais”, capaz de criar uma nova realidade disapórica) e de novas imbricações entre cultura, tecnologia e comunicação, no filme de Rivera a fronteira se apresenta como espaço de distopia. A tecnologia digital mostra no filme de Rivera, sua dupla face, de forma mais crua: está antes de mais nada a serviço do controle militar (como queria Friedrich Kittler) e do controle econômico. Isso não exclui, porém, a necessidade de se ver, no próprio filme de Rivera, o quão interessante em si mesma pode ser a tecnologia nano-digital, e nem impede de, relendo os pressupostos de Canclini, acreditar que ela possa ser benéfica e até mesmo revolucionária. Pense-se, por exemplo, no novo tipo de “literatura” produzido no filme de Rivera: na medida em que andamos e vemos coisas, estamos armazenando material para um “livro”; ao chegar em casa, plugamos nosso corpo numa máquina, capaz de transferir imagens e sons da nossa memória para um computador, no qual podemos “editar” nossas memórias e transformá-las em ficções. Mas até que ponto se pode ver aí também o tênue limite (outra fronteira) que separa a maravilha biotenológica das formas atualizadas de “controle do imaginário” (L.Costa Lima)? O tema da “adiction” às novas formas de tenologias e "gadjets" também aparece no filme de Rivera de forma distópica, na medida em que estar conectado (e conectado fisicamente, através de plugues exertados nos corpos, como piercings) pode implicar numa nova forma de escravização, agora a do homem pela máquina. Mas, atenção! Aqui onde pareceria ser possível reviver o discurso frankfurtiano da “alienação”, sua base se esboroa: pois não se vê, e nem é possível ver-se, quem programa o “parque tecnológico” (Vilém Flusser). Melhor seria, como queria Flusser, entender as regras desse parque, entender como funcionam os programas, o sistema, para posteriormente decifar as estruturas de programação, que, como no modelo sígnico de C. S. Pierce, sempre remeterão para outras estruturas de programação, ad infinitum. Nesse sentido, pode-se entender "Sleep Dealer" como uma fábula de um futuro absolutamente real e absolutamente previsível, para o bem ou para o mal. Para ver esse real, no entando, teremos que destecer a fábula (inclusive no que ela tem de simplista), descontruindo ao mesmo tempo um modelo de crítica cultural incapaz de compreender que a tenologia é um dado semântico novo na leitura do “texto” da realidade biotecnológica, que está se desenhando na ficção cada vez mais científica da nossa vida cotidana.
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Bibliografia | BENJAMIN, W. Medienästhetische Schriften. Ed. Detlev Schöttker. Frankfurt/Main: Suhrkamp, 2006.
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