ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Documentários Políticos, A Política Do Documentário |
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Autor | Silvia Biehl |
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Resumo Expandido | Para Jacques Rancière (2004), o cinema documentário é o cinema mais propício ao exercício da ficção, pois ele tem o poder de rearranjar o “real”. Para o autor, é devido à característica romântica do cinema, a de fazer ver o insignificante no significante e o significante no insignificante, que há a possibilidade do exercício de outra forma de história, não-cronológica, e o exercício do monumento, ou seja, aquilo que guarda memória em si mesmo (ao contrário da historiografia, que exercita o documento, dados acumulativos de história). Em outras palavras, o cinema possibilita um exercício anacrônico da história; ele permite perceber que a história constitui-se de anacronismos. Podemos aproximar a relação entre cinema, ficção e história de Rancière às características que Giorgio Agamben (2004) aponta como essencialmente cinematográficas: o corte e a repetição. Estes elementos também permitem perceber a imagem--e conseqüentemente a história--como instantes revolucionários, como possibilidade do retorno do que foi, não como representação. Ou melhor, para Agamben, a imagem revela uma tensão dinâmica (monumento e documento), que evoca outra noção de história, uma noção não-linear. Neste trabalho, discuto a existência de um cinema documentário político a partir de uma possível distinção entre duas tendências de tal cinema: uma, cuja persistência reside na necessidade de agir diretamente sobre a realidade--que podemos denominar ativista--, que pressupõe um momento além da história, isto é, que ainda instaura uma historiografia; e outra, que, apesar de também resistir, revela uma tensão dinâmica da imagem, possibilitando, assim, outra maneira de pensar a história.
O documentário ativista contemporâneo mostra um forte desejo de interferir na “realidade”--característica observável, por exemplo, desde o projeto pedagógico de documentário de John Grierson, que, ao mesmo tempo, defendia que a realidade deveria ser reorganizada de forma criativa para ter algum valor artístico. Além do desejo de interferir na realidade, o cinema ativista procura resistir a um poder. Nesse caso, resistir significa inscrever este poder, denominá-lo palpável e, hipoteticamente, passível de ser vencido. Neste tipo de cinema, as oposições tornam-se claras e indiscutíveis, precisando serem rompidas e dominadas para que a história—concebida de forma linear—possa dar um passo adiante. Também podemos pensar que o cinema de cunho ativista necessariamente impõe uma palavra de ordem, ou, para Gilles Deleuze (1999), informa, ao contrário da arte, que não comunica. Neste trabalho, parto de uma imagem de um documentário ativista norte-americano, The Forth World War (2004), de Jacqueline Soohen e Richard Rowley, para especular sobre o cinema político, principalmente o cinema documentário. Nessa imagem, cuja narração menciona a importância de romper com a história linear, existe uma potência que o filme, como obra, não abarca. Essa potência é exatamente uma possibilidade política: a possibilidade de perceber a imagem e a história de forma benjaminiana. É a partir dessa possibilidade, de uma dialética em constante tensão, que outro tipo de cinema político, não mais ativista, ganha força. É o cinema por exemplo, de Jean-Luc Godard, de “Histoire(s) du Cinema” (1988), e de Harun Farocki, em “Wie Man Sehen” (1986). Não defendo aqui, porém, uma escolha entre duas formas possíveis de relacionar cinema e história. A meu ver, a potência do cinema em resistir (à morte) parece ser possível atualmente à medida que se torna possível também resgatar a potência das imagens enquanto força. Este trabalho, deste modo, sugere menos decidir qual a resistência certa, ou primar pelo ato de resistência artístico, do que protestar por um exercício de crítica que seja também resistência. |
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