ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A diferenciação pela anomalia produtiva: três documentários brasileiros |
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Autor | Cléber Eduardo |
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Resumo Expandido | Entre as características do documentário brasileiro recente, um traço distintivo chama a atenção por sua freqüência e pela diferenciação em relação a modelos anteriores (vinculados a produção dos anos 60 e 70). Essa distinção contemporânea, cuja repetição tem se tornado lugar comum” nos anos 2000, é a individualização dos entrevistados, assim como sua transformação em personagem. A procura do “caráter único” desses personagens, provavelmente, é uma estratégia para evitar a sintomatologia do documentário de tese, também classificado como modelo sociológico por Jean Claude Bernardet. A palavra é empregada como expressão de si próprio, nesse novo contexto, e como valorização das experiências particulares, sem vínculos com a sociedade onde vivem os personagens. A voz do documentário é terceirizada para o “assunto” (o indivíduo) e o documentarista aparece ora como personagem, ora como uma ausência para quem o personagem se dirige.
Em alguns desses documentários, não se trata apenas de personagens únicos, mas únicos personagens, quase isolados em suas próprias vidas, modalidade que, aqui, chamaremos de “documentário solo”. Essa tendência é explicitada pelo crescente número de títulos com nome próprio. Se parte desses nomes é de celebridades artísticas, outra parte é de pessoas anônimas (ou ordinárias, segundo Jean Marie Schefer, L´Homme Ordinaire Du Cinema), vivendo em condições desfavoráveis. A conexão com o meio social, porém, está nas evidências visuais e verbais (ambientes, roupas, frases), não como produto de conexões do documentário, de colocações de palavras e situações em perspectiva, para além de suas particularidades. Documentários no singular e não no plural. Se tomarmos como modelo comparativo Teodorico: O Imperador do Sertão, de Eduardo Coutinho, nos anos 70, há uma ampla diferença em relação aos “documentários solos”. Se na aproximação de Coutinho com Teodorico, há a intenção e a prática de tomar o indivíduo como superfície onde se imprime as características sociais de seu meio e a posição do indivíduo em relação a outros indivíduos, o “documentário solo” procura apagar a presença das relações entre o indivíduo e o que está supostamente fora dele. Supostamente. Em três casos específicos, essa individualização do “solo” se dá pelas anomalias: Estamira, de Marcos Prado, Moacyr Arte Bruta, de Walter Carvalho, e A Pessoa é para o Que Nasce, de Roberto Berliner. Esse último, apesar de não ter nome próprio no título e abrir o enfoque para três irmãs, lida com o singular (“a pessoa” e “três irmãs que são uma só, são para o que nascem”) Nos três casos, os protagonistas são pessoas em condições sociais desfavoráveis, mas caracterizados por algum tipo de anomalia (favorável aos filmes): problemas mentais em Estamira e Moacyr Arte Bruta, cegueira em A Pessoa é para o Que Nasce. Em cada um dos documentários, essa anomalia é produtiva, se não para os próprios personagens, certamente para os documentários dos quais são as estrelas. Por essa razão, não se fala aqui em “deficiência”, porque não se trata, como sugere a genealogia do termo, de uma déficit de eficiência, mas de uma eficiência no déficit. Estamira é uma pensadora do mundo e do papel da imagem no mundo (vinculada ao controle). Moacyr Arte Bruta é um pintor que, entre inspirações interiores e influências exteriores, reflete em quadros sua visão (a ser decodificada pelo filme). A Pessoa é para o Que Nasce tem a frente três irmãs cegas que se tornam conhecidas pela falta de visão e pelo canto. Trata-se da produtividade dos que podem menos, da relação deles com a mídia (ou deles na mídia), do poder desse déficit mental e de visão. Essa aparente estratégia de emancipação desses personagens e de libertação em relação a um determinismo social não estaria submetida a um novo determinismo singularizante e produtivo (as anomalias)? Nesses casos, há libertação, apenas porque estão em quadro? Ou um novo determinismo? |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo. Cia das Letras, 2003.
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