ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Cindy Sherman entre-imagens: film stills, gleams and reflection |
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Autor | Danusa Depes Portas |
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Resumo Expandido | Sex-appeal do inorgânico: a expressão bejaminiana é uma boa definição do programa estético que anima parte do regime de visibilidade contemporâneo. A imagem aparece como meio de exposição daquilo que, no interior do inorgânico, do reificado é capaz de provocar o olhar fascinado. Poucos foram tão longe nesse arriscado jogo de indiferenciação entre publicidade, pornografia, cultura pop, como a artista visual (photographer/ filmmaker/ performer) norte-americana Cindy Sherman. Suas imagens, concatenações de estereótipos, reproduzem objetos que já são reproduções: personagens dos cenários de Hollywood, de filmes de Douglas Sirk, de film noir, da Nouvelle Vague, do snuff movies e da foto publicitária das revistas de luxo. Em seus ensaios fotográficos nos reencontramos constantemente perante soluções formais que são produtos de receitas estandardizadas.
O primeiro grande ensaio fotográfico de Sherman, Untitled Film Stills (1977-1980), já coloca um problema central da imagem clássica, o conceito de identificação, pois detecta a crise da representação nas operações fundadas na figuração, operando uma corrosão da figura até transformá-la em superfície, em pura imagerie - lógica que guiará os ensaios subseqüentes: Rear Screen Pictures, Centerfolds, Gleams and reflection, etc. Untitled Film Stills consiste em uma série de auto-retratos nos quais são apresentadas situações que reenviam à repetição destas cenas cinematográficas que estruturam o imaginário produzido pela indústria cultural. Para a coerência conceitual dessas imagens, é importante que Cindy Sherman seja ao mesmo tempo seu sujeito e objeto, porque o jogo de estereótipos na sua obra é uma revelação da própria artista enquanto estereótipo. As séries de ensaios invertem a função expressiva do auto-retrato, na medida em que eles aparecem como a formalização do impossível da imagem de si como representação do singular. O que vemos nas fotos é o sujeito aprisionado em imagens no limite do impessoal, já que elas são produzidas por e para o Outro, representado aqui pelo sistema simbólico de valores disponibilizados pela indústria cultural. A estratégia adotada por Sherman constitui uma demonstração espantosa da desarticulação do eu pelo seu duplo refletido em um espelho (a foto). O sujeito que vê é um sujeito que, sendo “visto” ao mesmo tempo, aparece como “quadro” na superfície do espelho, no exato instante dessa inscrição. Na repetição em séries fotográficas, o jogo de reflexos, a mise en abîme, ao invés de multiplicar infinitamente a imagem completa de seu semblante, registra nada além de uma poeira de partículas argênteas. Descrever essa obra não é fácil, justamente porque não é simplesmente uma imagem, uma foto mas, antes, um dispositivo de inscrição e escritura, uma instalação, que coloca em situação, numa estratégia complexa, o fotógrafo e o observador. A obra de Cindy Sherman é urdida de forma a nos mostrar suas próprias condições de surgimento e de recepção. Descrevê-la colocando-se no ponto de vista do espectador e acompanhando o desenrolar de sua percepção é, num mesmo movimento, acompanhar o processo pelo qual a obra se constituiu. Tais dispositivos fornecem uma pista sobre o que acontece quando se aborda o simulacro fotográfico para explodir as categorias da arte. A obra de Sherman se situa numa relação inversa com o discurso crítico, porque ela entendeu que a fotografia era o Outro da arte, o desejo de arte em nossa época. Tanto é que a sua fotografia não elabora um objeto de crítica artística, mas antes se constitui em instância de crítica. Promovendo deslocamentos e transferências entre fotografia, cinema e arte, ela constrói uma metalinguagem com a qual pode então operar em um plano mito-gramático da produção artística, apontando, assim, para um entendimento do termo estética como um modo de articulação entre maneiras de fazer, formas de visibilidade dessas maneiras de fazer e modos de ‘pensabilidade’ de suas relações. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. A imagem. 7ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1993.
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