ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Um outro de quem se fala: tensionamento entre identidade e alteridade em A pessoa é para o que nasce |
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Autor | Mariana Duccini Junqueira da Silva |
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Resumo Expandido | A ampliação radical do potencial de visibilidade na sociedade contemporânea, cuja derivação mais expressiva alude à diluição dos limites entre os espaços público e privado, encontra ressonâncias peculiares no que tange as produções midiáticas. Nesse âmbito, uma atitude auto-reflexiva é subjacente ao efeito de legitimação dos discursos. Tal panorama, ante a tradição do documentário cinematográfico, vem redimensionar o valor e a pertinência do sintagma “reprodução da realidade”.
De forma mais ou menos explícita, a problematização das condições em que são produzidos os discursos tenderia a uma filiação em que determinados documentários prescindem de uma certa ilusão de transparência, assentando-se a uma verdade situada, inerente ao processo fílmico (Da-Rin, 2006). Aqui emergem os tensionamentos da construção de um lugar ocupado pela instância enunciadora, que só pode advir como tal na relação estrita com sujeitos outros, visto que essa identidade se viabiliza especificamente na articulação com a(s) alteridade(s). Torna-se interessante pensar, assim, nas imbricações entre a instância de realização e os chamados (não sem alguma impropriedade, face à referida dimensão constitutiva) “objetos do filme”, donde o célebre questionamento de Nichols (2005) sobre a especificidade de documentários reflexivos: “O que fazer com as pessoas?”. Em A pessoa é para o que nasce (Roberto Berliner, 2005), tal jogo ambivalente estrutura-se de forma a demarcar o lugar daquele que fala, em um movimento de ajuste entre explicitação e apagamento de diferenças em relação àquele de quem se fala; é mesmo essa dinâmica que se converte em fator de legitimação do documentário no espectro mais amplo do gênero, que, cada vez mais, subsume a atualização da auto-reflexividade (movimentos de câmera, escolha de planos, sons diegéticos ou extradiegéticos, textos verbais em off, alusões mais literais ao processo de produção, como a presença cenicamente marcada do realizador, entre outros). A um tempo, as protagonistas da obra (as cegas Regina, Maria e Conceição Barbosa, que sobrevivem pedindo esmola e tocando ganzá no município paraibano de Campina Grande) parecem encarnar, de forma auto-suficiente, o ponto de origem para a tessitura de uma verdade situada, na medida em que emergem como sujeitos na própria dimensão fílmica. A outro, a conversão delas em personagens advém meramente como construto retórico para a garantia do lugar da instância realizadora como tal. Do contrário, como qualificar uma espécie de “função redentora” (e ao mesmo tempo normativa) do documentário, presente, inclusive, em seu texto de divulgação: “O filme que mudou a vida de três irmãs. Três mulheres que vão mudar a sua maneira de ver o mundo”? Tal estratégia amplia-se ainda no caso de nos determos, para efeitos de exemplificação, ao episódio em que a personagem Maria, de maneira oblíqua, questiona se ela e as irmãs ganhariam alguma coisa com o filme (da mesma maneira que, certamente, aconteceria com os responsáveis pela produção). A edição mostra, em seqüência, a pergunta da personagem, a conotação do tempo decorrido (por meio do texto verbal: “Dois anos depois”) e a apresentação das cegas de Campina Grande no festival Percpan (Panorama Percussivo Mundial), no ano 2000, diante de um embevecido Gilberto Gil, futuramente Ministro da Cultura do Governo Brasileiro. A reflexividade tornada ato, dessa maneira, antes de propiciar alguma horizontalização na hierarquia discursiva pela “distribuição” equânime do direito à voz, modula as circunstâncias em que o pretenso direito será exercido, como forma de respaldar o lugar de um cinema-verdade segundo o princípio de diluição das dissonâncias. |
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Bibliografia | DA-RIN, S. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário. 4ed. São Paulo, Azougue Editorial, 2006.
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