ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Procedimentos da pop art em Hitler do III mundo (1969), de José Agrippino de Paula |
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Autor | FABIO RADDI UCHOA |
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Resumo Expandido | Hitler III mundo (1969) é o primeiro longa-metragem de José Agrippino de Paula. Foi realizado com recursos limitados e filmado entre os anos de 1968-69, período de intensificação da repressão militar no Brasil. Possuem ecos sobre o filme as experimentações efetuadas por Agrippino nos campos da literatura, com os romances Lugar público (1965) e Pan-América (1967), e do teatro, com as peças Tarzan III mundo (1968) e Rito do amor selvagem (1969). Ambas estas peças foram realizadas pelo SONDA, grupo coordenado pelo cineasta e sua então mulher Maria Esther Stockler.
A obra literária, teatral e cinematográfica de Agrippino mantém contato com procedimentos da pop art e com a abertura tropicalista à cultura cosmopolita. Escritos e filmes são permeados pelo esforço de criação de uma linguagem pop brasileira. Uma série de procedimentos maturados em Hitler III mundo parecem ter origem em experimentos anteriores, possuindo o caos como o principal procedimento construtor. O mesmo decorre de um dispositivo pautado pela colagem de elementos e linguagens provenientes da cultura de massas. O que envolve a rarefação da narrativa e a desconstrução de mitos erguidos/reciclados pelo cinema, pela TV, pelas artes plásticas e pelas histórias em quadrinhos. Em Pan-América, a ascensão e queda de Marilyn Monroe é apresentada por meio da apropriação parodística e antropofágica das linguagens do cinema e dos quadrinhos. O grupo SONDA, por sua vez, aplica a idéia de colagem aos procedimentos teatrais. Elementos da mise en scène e da narrativa, como os diálogos, a iluminação, o cenário e o som, pautam-se pela mixagem. Estabelecem diferentes relações entre si, configurando o que o cineasta denominou de “arte-soma”: um objeto fragmentário, ambíguo e arbitrário, rompendo com a unidade clássica. Hitler III Mundo trata do imperialismo e da crise da identidade a partir da impotência própria a um momento de repressão política. Organiza-se em torno das figuras de um ditador tupiniquim e de dois estranhos super-heróis, que não esboçam qualquer ação contra o perigo do autoritarismo. Os mesmos parecem saídos das histórias em quadrinhos, mas seu fim afina-se àquele do próprio país: o Samurai pratica Harakiri; o monstro de pedra é capturado pela polícia após tentativa de suicídio. Neste filme, a trama assume os traços multifacetários próprios aos meios de comunicação de massa. A colagem atinge a composição dos personagens, as relações estabelecidas entre e sons e imagens, bem como a estruturação geral da narrativa, organizada em blocos de ações interrompidas. Uma das cenas, em especial, parece reter-se na memória do espectador de primeira viagem. Nela, o grotesco samurai de quimono branco e face de clown caminha rodeado por uma multidão de crianças. O personagem interpretado por Jô Soares dialoga com uma figura bíblica, re-apropriada em Pan-américa: Moisés guiando a fuga dos judeus pelo Mar vermelho. O samurai de Hitler III mundo, afirma-se por meio de um figurino e de uma gestualidade que reproduzem o estereótipo deste tipo de herói japonês. Pela banda sonora, misturam-se sons, trocados como se fossem canais de rádio. Inicialmente, os tensos acordes de um órgão sugerem tonalidades épicas. Logo são trocados por falas em uma língua estranha, aparentemente afro, e pelo som de helicópteros. Nesta seqüência baseada em um único plano, a colagem presente na trilha sonora contribui para a criação de diferentes ambientes e, conseqüentemente, para fragmentação a ação do personagem. A passagem deste Moisés dos trópicos pelo sub-mundo assume, assim, a figura de uma travessia não concluída, que culminará posteriormente com o suicídio do herói. Esta é a resposta geral de Hitler do III mundo frente a um momento de agonia no plano cultural e político da nação. Pretende-se assim a identificação de elementos da pop art na narrativa de Hitler III mundo (1969), levando em conta as formas por eles assumidas e a sua re-significação frente ao contexto histórico do período. |
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Bibliografia | ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna.São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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