ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Instante qualquer, momento pregnante e fotogenia: Jean Epstein vs. Siegfried Kracauer |
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Autor | Ismail Xavier |
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Resumo Expandido | Nos séculos XVIII e XIX, há uma vertente teórica que se volta para o problema de como a pintura, como arte do espaço, pode representar o tempo; a aproximação da obra pictórica à cena teatral, como na estética de Diderot, por exemplo, se desdobra na proposição de que o quadro deve buscar a representação do momento pregnante, ou seja, aquela configuração da cena que toma o momento-configuração representado como um elo de ligação entre o que acabou de acontecer (passado imediato) e o que está na iminência de acontecer (futuro imediato). Gotthold Lessing, contemporâneo de Diderot, resume bem esta exigência feita à pintura como arte do espaço: “a pintura...deve escolher o momento mais fecundo e o melhor para fazer compreender os momentos que a precedem e os que a sucedem”.
Está claro que o quadro não deveria ser a “imagem impressa” de nenhum instante, mas uma composição da cena mediada por conceitos, produto de percepção e de idéia, construção de um arranjo de corpos, de gestos e de fisionomias capaz de produzir esse efeito de coexistência pregnante. Em seu livro, O olho interminável, Jacques Aumont acentua a diferença entre o momento pregnante buscado pela imagem (cena) pictórica e o instante qualquer registrado pela fotografia, este que se imprime na película foto-sensível como configuração que efetivamente ocorreu. Este é o dado novo trazido pelo caráter indicial da imagem fotográfica, traço potencializado pelo cinema como imagem em movimento, capaz de registrar, em continuidade, o evoluir de fenômenos naturais, de gestos e de micro-movimentos de uma fisionomia (primeiro plano). Pela ordem da captação do fugidio, da ocorrência efêmera, cunhou-se uma idéia do específico cinematográfico que encontrou na noção de fotogenia sua expressão maior. Por esta via, teóricos como Jean Epstein condensaram uma leitura do cinema como o lugar de uma revelação do animismo profundo da natureza, ou da “personalidade” que o mundo dos objetos mostra possuir, num vigoroso reencantamento do mundo que se contrapõe à visão mecânica da natureza afirmada pela ciência e pelo desenvolvimento técnico-industrial que geraram a fotografia o cinema. Em contraposição, teóricos como Siegfried Kracauer (por exemplo, em “A fotografia”, texto de 1927), parte do mesmo princípio da indexalidade que permite captar o instante qualquer, mas lê este registro como a via nova pela qual nos confrontamos, não com o animismo e as enervações do espírito dentro da natureza, mas com o mundo desencantado, destituído de sentido. A fotografia e o cinema, com nuances que cabe discutir, trariam essa imagem onde se imprime a história natural alheia a sentidos transcendentes, imagem que não aponta para uma coesão animada por um princípio espiritual ou uma intenção. Para Kracauer, o fato de que a imagem indicial (fotografia e cinema) seja correlata a um momento histórico específico – o capitalismo, a mercadoria, a lógica social comandada por abstrações – não é casual e, por isto mesmo, a foto torna visível justamente este mundo abandonado por tudo o que animou a representação pictórica teorizada por Lessing e Diderot. A minha comunicação parte desta questão da indexalidade da imagem em movimento (de base fotográfica) e analisa a oposição entre a teoria de Kracauer e a da fotogenia (Epstein), formuladas nos anos 1920. São duas posições antitéticas que partem da mesma premissa – a indexalidade da imagem gera algo “novo”, antes invisível – mas uma caminha na direção da idéia de “um mundo natural onde não se revela um todo coeso que expressaria intenção, apontaria um sentido”, enquanto a outra vê na precisão com que o mundo se imprime na película o caminho real de uma reconexão com a natureza e seus sentidos soterrados. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável (cinema e pintura). São Paulo, CosacNaify, 2004.
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