ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | J’ai pas sommeil e Code Inconnu: Violência e a Imunização dos Espaços Transnacionais |
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Autor | Ramayana Lira de Sousa |
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Resumo Expandido | Os filmes J’ai pas sommeil, de Claire Denis, e Code Inconnu, de Michael Haneke criam espaços metropolitanos transnacionais onde personagens de diferentes nacionalidades, culturas e/ou grupos étnicos se (des)encontram, formando uma constelação de subjetividades que transitam pela cidade de maneira fluida, desafiando noções de centro e margem, dentro e fora. As narrativas se constroem com base no estranhamento, na perda e na desconexão, e, especialmente, na violência.
Esses filmes concretizam um pensamento sobre a condição transnacional, marcada por encontros violentos, muitas vezes gerados por uma lógica ‘imunizante’ que pode ser entendida através das categorias immunitas e communitas, desenvolvidas por Roberto Esposito. Os dois termos, derivados de munus – do latim ‘dom’, ‘ofício’, ‘obrigação’ - implicam as noções de uma ‘comunidade’, na qual os seus membros estão obrigados a cumprir essa obrigação, e de uma ‘imunidade’, que sugere a isenção de tal condição. É imune aquele que está dispensado das obrigações e dos perigos que, pelo contrário, concernem a todos os outros. Para Esposito, o individualismo moderno surge da ruptura com as anteriores formas comunitárias e contem uma forte tendência imunitária. A exigência de auto-conservação, típica da época moderna, se tem feito cada vez mais acelerada, até converter-se no eixo ao redor do qual se constrói a prática efetiva ou imaginária da sociedade contemporânea. Diz Esposito, em uma entrevista, que a lógica imunizante pode ser encontrada, “de um lado, todo o aparato institucional, a partir do Estado, das formas jurídicas. De outro, toda a organização territorial, as comunidades étnicas identificadas por um elemento comum, seja o território, a língua, a religião, a cultura. Estes grupos, culturalmente ou territorialmente definidos, tendem a fecharem-se, a imunizarem-se com respeito ao exterior”. Os encontros transnacionais nos filmes de Denis e Haneke desafiam essa lógica, revelando uma crise desse sistema auto-imunizante. À violência que exclui, marcando um dentro e fora, delimitando pertencimentos, os dois filmes em questão respondem com uma “classe de violência”, ou seja, não a violência de uma classe social (uma abordagem que poderia levar a reducionismos identitários), mas um tipo de violência que, experienciado por pessoas de diversos backgrounds, apresenta-se como uma recusa à violência excludente. É uma linha de fuga que atravessa vários dos segmentos ‘imunizados’ contra o que é ‘estrangeiro’ e/ou ‘estranho’. J’ai pas sommeil e Code Inconnu trazem à tona não apenas o potencial da violência para desestabilizar os impulsos imunizantes, mas também produzem “imagens violentas”, ou seja, o punctum barthesiano que perfura a imagem e o espectador, perturbando o prazer estético. Os filmes também trazem à luz a maneira como a própria linguagem cinematográfica pode se organizar em torno da lógica imunizante acima descrita e, assim como seus personagens, criam situações de violência em que o espectador se vê desafiado a encarar sua própria auto-imunização diante da imagem violenta que é, antes de tudo, irradiação, explosão, contaminação. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo. Horizonte: UFMG, 2002
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