ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Disputas por fronteiras e limites de sentido “Entre os muros da escola” |
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Autor | Ivan Paganotti |
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Resumo Expandido | O artigo analisa o filme “Entre os muros da escola” (Entre les Murs, França, 2008. Dir. Laurent Cantet), baseado no romance homônimo de por François Bégaudeau – que interpreta um professor de francês inspirado na suas experiências em salas de aula. O artigo avalia as fronteiras expostas no filme, assim como os conflitos pela demarcação de limites travados entre alunos, professores e pais na construção de diálogos dificultados pelo distanciamento e choque entre as realidades diferentes.
Para refletir sobre as identidades nacionais representadas pelo cinema e pelas fronteiras entre grupos sociais (AMANCIO, 2000), é necessário analisar os grupos presentes no micro-cosmo escolar e sua integração conflituosa: parisienses, argelinos, marroquinos, chineses, martiniquenses (para ficar somente entre as identidades nacionais). Um auto-retrato solicitado pelo professor é a causa de um dos conflitos principais do filme, quando as nacionalidades dos alunos entram em choque mediadas pela discussão sobre as seleções nacionais de seus respectivos países. Ao debater sobre jogadores de futebol, os alunos operam um processo de identificação com figuras de liderança (GOMES, 2008, p.69). Ao mesmo tempo em que esse processo de diferenciação e identificação cria laços entre o indivíduo e uma coletividade maior, surgem também marcas de hostilidade entre os diferentes. Esses conflitos evidenciam as fronteiras entre o centro de semiosferas – espaços de significação em que os signos produzem sentido – e suas periferias ou as realidades exteriores ou estrangeiras (LOTMAN, 2000, pp.131-142). Para compreender o outro e a fala do outro, é necessário compartilhar não somente o mesmo código, mas o mesmo espaço de significação – a semiosfera de Lotman. Ao analisar a narrativa e construções de sentido provenientes dos enquadramentos e montagens de cenas durante a edição, percebemos que raramente o professor e os alunos (ou os pais e os professores, ou os alunos e funcionários da direção) são mostrados simultaneamente no mesmo enquadramento. Há uma distância entre os lugares de poder e aqueles que resistem à sua aplicação – o que, na hipótese desse artigo, é a representação própria do atrito entre esses dois mundos, impossibilitados de coexistir na sala de aula ou na tela do cinema. Esse conflito fica evidente no ápice do filme, quando professores e alunos disputam sobre o significado da palavra “vagabundas” [“pétasse”], usada pelo professor. Alunas retratadas como “vagabundas” consideram-se ofendidas pela expressão que, na sua visão de mundo, significa ser chamada de “prostitutas”. O professor não consegue assumir seu erro ao diminuir a gravidade da palavra, que seria, na sua concepção, uma pessoa de comportamento inapropriado. O sentido da palavra não pode ser compartilhado porque os indivíduos estão isolados por uma barreira invisível – as fronteiras da semiosfera de Lotman. As palavras criam circunscrição de campos que delimitam seu significado – apresentam o mundo a partir de seu recorte (GOMES, 2008, p.26) – e também selecionam aqueles que compartilham desse significado dentro de uma semiosfera (LOTMAN, 2000). No filme, essa fronteira torna-se visível por recortar e excluir, para além do limite do enquadramento da câmera, o interlocutor na sala de aula. Ora se mostra o mestre, ora os alunos, mas poucas são as tomadas que incluem ambos na cena. O diálogo se dá com um “ausente”, um fantasma ou simulacro do interlocutor, que só pode ligar-se ao outro pela montagem das cenas em sequência – a troca comunicativa só surge na edição, e não na visualização da encenação. Esse artifício mostra que a união (e o compartilhamento de sentidos e valores) entre professor e alunos é difícil tanto na sala de aula quanto na sua representação no cinema: assim como não conseguem compartilhar presencialmente o mesmo espaço da tela, não conseguem conviver na sala de aula e não podem compreender os mesmos sentidos e circunscrições de campos determinadas pelas suas palavras. |
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Bibliografia | AMANCIO, Tunico. O Brasil dos Gringos: imagens no cinema. Niterói: Intertexto, 2000.
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