ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A realidade da imagem, ou a imagem da realidade, em Flusser e Heidegger |
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Autor | Maria Aparecida Taboza |
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Resumo Expandido | As imagens devem sua origem, na discussão levantada por Vilém Flusser em sua filosofia da técnica, à nossa capacidade de imaginação, capacidade esta de codificar fenômenos de quatro dimensões – altura, comprimento, profundidade e tempo − em símbolos planos de duas dimensões, abstraindo profundidade e tempo, e descodificar as mensagens assim codificadas. Em outras palavras, imaginação é “a capacidade de fazer e decifrar imagens” (FLUSSER, 1998).
As imagens, então, mediaram a experiência humana com o mundo, de maneira mágica e circular, até a invenção da escrita no segundo milênio a.C., quando mais uma dimensão dessa experiência foi abstraída, restando assim apenas uma: a linha reta das palavras, que representam no texto as demais dimensões de maneira conceitual e abstrata. “Ao inventar a escrita, o homem adquire conscicência histórica, que vai se sobrepujar ao caráter mágico das imagens” (GERBASE, 2001). A invenção da imagem técnica, no século 19, surge como terceira revolução, depois da revolução da imagem bidimensional e da escrita linear: diferentemente das imagens tradicionais que “imaginam” o mundo, as imagens técnicas “imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo” (FLUSSER, 1998). Entretanto, embora aparententemente as imagens técnicas representem a dita realidade com significado inequívoco, desvendá-las impõe como necessário para sua compreensão. Em vez de imagens da realidade, janelas para o mundo, não há nelas nenhuma objetividade preliminar; não se trata de uma duplicação automática do mundo, mas da atualização de conceitos científicos – químicos, físicos, ópticos – construídos de signos abstratos e forjados pelos aparatos tecnológicos. Desse modo, compreender as imagens técnicas implica “reconstruir os textos que deram origem às imagens, ou seja, decifrar as cadeias de significação – inclusive histórica – que estão por trás dos procedimentos básicos de quem cria estas imagens e dos equipamentos utilizados” (GERBASE, 2001). Do confronto entre intenções programadas nos aparelhos e tentativas de desvendá-las emerge as ambiguidades da técnica. Por isso, Flusser vislumbra um espaço para as possibilidades criativas e liberdades subjetivas, desde que compreendido e modificado o jogo de automatização da produção, distribuição e consumo da informação instaurado na época pós-industrial. Menos otimista nesse sentido, para Heidegger, “o imaginário do homem moderno é um conjunto de imagens que se articulam pelo uso de artefatos tecnológicos”, de maneira tal que as imagens se impõem como “o mundo” em vez de “uma representação do mundo” (GEBASER, 2001). Imagen del mundo, compreendido esencialmente, no significa por lo tanto una imagen del mundo, sino concebir el mundo como imagen. Lo ente en su totalidad se entiende de tal manera que sólo es y pude ser desde, el momento en que es puesto por el hombre que representa y produce. En donde llega gen del mundo, tiene lugar una decisión esencial sobre lo ente en su totalidad. Se busca y encuentra el ser de lo ente en la representabilidad de lo ente (HEIDEGGER, 1996). Assim, a despeito das preocupações humanistas de Flusser − embora se possam estabelecer elos entre as filosofias de ambos, sobretudo no diz respeito a compreensão da técnica não como meros instrumentos, mas como forma de desencobrimento −, Heidegger não está tão interessado em encontrar saídas para os seres humanos, considerando a existência humana maquinisticamente programada na modernidade. As reflexões desses dois filósofos tornam-se, pois, relevantes para a discussão da realidade da imagem, ou da imagem da realidade, no âmbito do cinema e do audiovisual, uma vez que o advento das tecnologias digitais, a cada vez mais trivial manipulação das imagens técnicas e a convergência de diferentes mídias na nossa sociedade colocam-se como revoluções do modo de vida humana, enquanto são apenas pontas de um processo em que “o mundo virou imagem, e o homem objeto da técnica” (GERBASE, 2001). |
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Bibliografia | FLUSSER, V. Ensaio sobre a fotografia: por uma filosofia da técnica. Lisboa: Relógio D’Água, 1998.
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