ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | 'Céu sobre' água e o superoitismo de José Agrippino de Paula |
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Autor | Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior |
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Resumo Expandido | Dez anos após o lançamento da sua obra referência, o livro PanAmérica, José Agrippino de Paula realiza um belo curta em Super-8 na Bahia, o CÉU SOBRE ÁGUA (1978). Nas águas de Arembepe, uma mulher ora grávida, ora não, uma criança e poucas aparições masculinas se alternam em temporalidade elíptica. A dançarina Maria Esther Stockler, então sua mulher e colaboradora, movimenta-se na água de maneira a integrar-se com densidade rítmica ao espaço da natureza. Mais que registro biográfico em estesia hippie, é um experimento formal singularíssimo. Seria em cinema o seu resultado mais estruturado, ainda que de modo não convencional. É num certo sentido o filme mais hippie que eu conheço, talvez o único. A sua estrutura nos desafia a propor nexos simbólicos entre os elementos moventes, da presença dos corpos e da Natureza, que se relacionam em fluxos dialogantes. De Agrippino pude ver ainda outros três Super-8, sobre ritos africanos. Eles possuem um trabalho bem curioso da câmera, que parece preparar a contemplação dinâmica do filme baiano. Só que aqui o caso seria diferente dos africanos, embora pelo movimento dos corpos também se atinja uma empatia entre o olhar da câmera e o ritual filmado. A câmera de Agrippino reage, portátil como um pincel, e pode se submeter à presença física mais imediata dos corpos. Sua relação com as coisas que filma supõe uma certa entrega aos momentos que os corpos proporcionam à visão. É um tipo de impressionismo que se desprende dos cânones da representação para entrar numa empatia transcendental com os corpos. Um paralelo possível desta experiência pode ser buscado no Super-8 de Hélio Oiticica, AGRIPPINA É ROMA-MANHATTAN, de 1972, inspirado em Sousândrade, Haroldo de Campos e Agrippino (pensemos sobretudo em O Guesa, Galáxias e PanAmérica). Foi uma tentativa de Hélio de trabalha com uma câmera algo tátil, que recuperou talvez dos primeiros filmes de Neville d'Almeida, mas em diálogo com o vanguardismo de Glauber Rocha e possivelmente o underground nova-iorquino de Jack Smith e Andy Warhol. Creio que estes dois filmes, AGRIPPINA e CÉU SOBRE ÁGUA são importantes, não como “influências”, mas para balizar a compreensão do experimentalismo superoitista que se desenvolve no Brasil até o começo dos anos 80, e que configura um patamar de propostas estéticas diferenciadas tanto do Cinema Novo como do Marginal. Uma história do cinema experimental, assim como a do audiovisual brasileiro, precisa começar a se interessar pelas centenas de filmes altamente inventivos rodados em Super-8 nos anos 70, e ignorados pelo surto (no sentido patológico inclusive) industrialista que nos tem acometido. A história local do cinema e da crítica parece não nos oferecer os instrumentos conceituais suficientes. CÉU SOBRE ÁGUA é um home movie telúrico em que o lar é a Natureza em temporalidade transcendental, e uma lenta coreografia se integra em super-enquadramentos diagramados com harmonia gestáltica muito particular. A expressividade deste trabalho da câmera merece análise, pois parece discursar sobre as relações estabelecidas de um olhar não só para com um espaço mítico da Natureza, mas também com proximidades corporais, que se entrelaçam aos elementos locais. Nas relações que se estabelecem entre corpos e espaço um parece proporcionar o acesso ao outro, numa interação em que eles se fornecem mutuamente critérios de compreensão. No desafio de descrevermos o que se passa neste filme de ritmo e gesto coreográfico repousa a possibilidade de discuti-lo como obra singular, situá-lo perante as tradições do cinema experimental e das estéticas em vigor no campo artístico (e comportamental), cultural (e contracultural). |
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Bibliografia | BRENEZ, Nicole. Cinémas d'avant-garde. Paris: Cahiers du cinéma, 2006.
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