ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Nosso tio da Patagônia ou Bombom, um road movie canino: um flerte argentino com o cinema de bordas |
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Autor | Bernadette Lyra |
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Resumo Expandido | Decididamente, e ao contrário da hipermania histriônica que tornou famosos certos ditadores América Latina, o cinema sul-americano não prima pela ostentação faraônica. Mas, é inegável que certas linhas que conduzem à produção de filmes da América do Sul refletem uma busca desesperada de identidade e oposição, frente à poderosa indústria cinematográfica do "Grande Irmão do Norte". Essa busca, por vezes, se torna evidentemente pretensiosa ao enveredar pelo caminho de um declarado engajamento político-social; outras vezes toma uma vereda paralela, quase artesanal e se faz às bordas da Instituição do cinema oficial, com efeitos de apropriação dos filmes de gênero de Hollywood. Ocorrem ainda fenômenos intermediários, em que certos lances da precariedade que marca os filmes sul-americanos se deixam perceber nos interstícios de filmes considerados "poéticos", "dramáticos" ou "sérios". É dentro dessa última possibilidade que quero analisar Bombom, El Perro (2004), de Carlos Sorin.
Sorin tem uma predileção pela Patagônia. Seu primeiro filme, Historias Minimas (2002) se passa nessa região misteriosa e periférica por excelência, onde também foi rodado e se desenrola a historia de Coco e Bombom. Mas, tem, ainda uma caída por cães e road movies (ex.: O caminho de San Diego- 2006). Seus filmes de estradas, porém, nem sempre são tão "realistas" ou "dramáticos" como apregoam alguns críticos que neles apontam somente a captação do cotidiano e o uso de não-atores. Eles têm um pé fincado no melodrama quase piegas e outro em detalhes soi-disant críticos e denunciadores que resultam constrangedoramente risíveis, duas características que demonstram inúmeras escorregadelas em direção a um cinema "de bordas". Bombom conta a história de Coco Villegas, vivido por Juan Villegas que, depois de ser despedido, tenta ganhar a vida vendendo facas artesanais. Coco se parece muito com um tipo familiar a todos nós. Tem uma cara de tio bom e um pouco ingênuo. Ao vê-lo na tela, temos a impressão de que o conhecemos desde sempre. A miserável vida de Coco muda a partir do momento em que ele salva uma senhora em um desastre de carro e ganha em troca um cachorro, o Bombom, que, apesar do nome é um dogue argentino, com genealogia, pertencente, portanto, a uma raça de cachorros bastante famosos pela sua virilidade. O inusitado contraste existente entre o nome do cão e sua reconhecida capacidade canina, por si só, traduz uma pitada ingênua e circense, ainda mais que Bombom, apesar de mostrar seu lado de vencedor de competições, parece fazer jus a essa duplicidade. Mas, na interminável viagem a bordo de uma velha caminhonete que Coco Villegas realiza com Bombom, passando por povoações interioranas e situações banais do dia-a-dia, tudo filmado através de grandes planos vazios,enxertados de planos de pessoas simples em tarefas sem brilho, é que residem os atrativos periféricos do filme, os quais ganham relevo na sequência bem ao final, em que após uma espinhosa separação, Coco Villegas reencontra Bombom no momento em este copula com uma cachorra de rua, depois de ter sido dado como um "caso perdido". Como recompensa por sua inesperada "habilidade sexual" Bombom ganha um sanduiche do MacDonald's e o filme adquire uma nota de brincadeira naif. Finalmente, com a reunião de Coco e Bombom, tudo descamba para o mais puro e trivial melodrama, relativizando o caráter "sério" do seu propalado neo-realismo. |
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Bibliografia | AVELLAR, José Carlos. A ponte clandestina: teorias de cinema na America Latina. São Paulo: Ed34/EdUSP, 1995.
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