ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Uma poética silenciosa |
|
Autor | CIRO INACIO MARCONDES |
|
Resumo Expandido | Para Pasolini, o chamado “cinema de poesia” seria uma apropriação estilística de um caos amorfo de signos que se configuraria longe do “patrimônio imagético comum e referencial” que estrutura uma certa “linguagem de prosa”. Ele conclama o espectador e os realizadores a mergulharem em uma linguagem que se constitui das porções mais irracionalistas de nossas possibilidades artísticas. Este estudo se concentra no período silencioso do cinema e em sua prolífica tendência à vanguarda e à experimentação, quando se tentava levar ao limite suas próprias possibilidades. Ele visa extrair das inúmeras poéticas visuais que floresceram nesta época um direcionamento para entender a formação do objeto poético.
Mas em que exatamente a modalidade silenciosa do cinema se diferenciaria da sonora para possuir uma tendência especial em manifestar este conhecimento poético? O cinema sonoro, enquanto código duplo (áudio/visual) tem o poder de cindir nossa atenção em duas manifestações de linguagem: aquela de articulação de imagens, própria do cinema; e a linguagem simbólica – língua – abstrata sobre a qual temos de ter um domínio para entender os registros escritos e orais dos filmes. Enquanto o código apenas visual nos remeteria ao transbordamento indeterminado e dúbio da imagem, facilitando a construção de camadas de significação a partir dela mesma, o código lingüístico teria o poder organizador e atrativo que ajudaria a imprimir uma determinação mais exata no nosso processar do filme. Como se fosse o ferro sobre o couro do boi, a língua marca estas imagens, identificando-as e simbolizando-as. O cinema mudo, portanto, possuiria esta propriedade especial, que é a de utilizar apenas a sequenciação transbordante das imagens somada ao dínamo de ideias provenientes da montagem para produzir seus efeitos poéticos. Isso leva a pensar que o cinema que não se utiliza de palavras se presta melhor a um retorno ao chamado estado de “primeiridade” definido por C. S. Peirce, que se associa especialmente aos signos icônicos (como as imagens), e traz à tona estados qualitativos dos objetos com os quais se relaciona, de maneira impermutável e irracional. Este estado, que tange, ao mesmo tempo, um contato mais total e sensitivo com a imagem, e uma maior amplitude na condensação simbólica, converge para a natureza própria do conhecimento poético. Não à toa, as vertentes narrativas da tela muda necessitam de letreiros (palavras) para dirigir uma significação mais precisa ao espectador. Este tipo de estética alcançou, na década de 20 e já nos anos 30, um grau avançado de expressividade. A maturidade absoluta do cinema mudo enquanto linguagem autônoma e deflagradora de uma possibilidade poética para a sétima arte aparece em filmes silenciosos crepusculares, como Limite (Mário Peixoto, 1931), Terra (Alexander Dovzhenko, 1930) e O Homem de Aran (Robert Flaherty, 1934). Sobre o último nos deteremos melhor, para investigar uma das mais significativas configurações que o cinema silencioso conseguiu alcançar. Homem de Aran busca uma aura épica, uma indivisibilidade entre razão e mito, para exprimir verdades ancestrais relacionadas ao contato do homem com a natureza. Passando por cima de noções tradicionais de representabilidade, verossimilhança e a chamada “suspensão voluntária da incredulidade”, Flaherty constrói um poderoso todo em que não importam palavras como ficção e realidade, mas sim o efeito de totalidade que as imagens provocam. Sem se ater a teses para tornar científica a sua aproximação com a realidade, o filme busca uma reflexão de maior amplitude, sem os cortes cirúrgicos da lógica, transformando um homem em todos os homens e uma ilha em todos os lugares. Sua filiação ao poético se insere na educação épica dos antigos, quando mito e ciência eram e serviam para a mesma coisa. A detonação deste dispositivo mítico só se dá, logicamente, com o transbordamento poético: cabe a ele suprir e sublimar este conhecimento absolutamente não-analítico. |
|
Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável. Cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
|