ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | As I Was Moving Ahead... : a política do filme-diário de Jonas Mekas |
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Autor | Juliano Gomes |
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Resumo Expandido | Proponho aqui analisar o filme "As I Was Moving Ahead, Occasionally I Saw Brief Glimpses of Beauty" (2001) de Jonas Mekas, pensando as maneiras com que se utiliza da forma do filme-diário e do filme de família, para construir um espaço singular e potente onde o pessoal funciona como ferramenta de abertura para o mundo, na contramão de um possível narcisismo, permitindo o espectador se instalar na duração particular deste “épico” do cotidiano.
No atual contexto de discursos do real extremamente controlados, sem sobras nem restos, o exemplo audiovisual de Jonas Mekas pode ser potente para se pensar formas de intervenção que dialoguem com a demanda do real traindo a idéia de fidelidade representacional. Coloca-se no pólo oposto da autonomia aurática moderna, sem restos, auto-suficiente. Aqui, a relação com o “fora” é permanente, é sua força motriz. O exterior da obra a alimenta. O movimento do filme é de incorporação constante de seu entorno, essa é a máquina criada por Mekas em seus filmes-diário. As I Was Moving Ahead... depende de um estar-no-mundo, de uma habitar estético não-totalizante, que permita desvios e sobras. O gesto de As I Was Moving Ahead... sugere, dentro da economia de discursos contemporânea, a possibilidade de que o documentário erga-se como ação política minando o tendência previsionista (Comolli, 2008) do espetáculo contemporâneo, permitindo atravessamentos do real e a formação de uma estética do envolvimento e do encontro que não se contraponha a ação subjetiva, mas se alimente dela, a tenha como condição. “Este é um filme político”, “este não é um filme político”, dizem cartelas que se repetem no filme. A aposta aqui é na formação de subjetividades que resistam à roteirização do mundo, que permitam a diferença, que estejam prontas para novas aproximações ajustadas às novas armadilhas do mundo a filmar - aquilo que insiste em enganar as previsões e estandardizações. Onde o real possa ser apresentado em sua radical estranheza e opacidade, como permanente inacabamento. A imagem como uma constante abertura permanentemente testando o mundo, desdobrando e multiplicando suas possibilidades; desfuncionalizando objetos e sujeitos possibilitando-lhes um devir estético e comunitário. Vida e obra de Jonas Mekas se confundem. Seus diários formam um arquivo de si em permanente processo. Seus filmes tornam-se “depósitos do vivido”, agentes de subjetivação, fazendo com que este sujeito seja constituído por fragmentos sensíveis que restam de seu contato com o exterior, pois é nesta direção que sua câmera aponta. “Sou fascinado pela exterioridade. Torno-me o que sinto e toco. De fato, é como se a superfície do meu corpo se identificasse com a superfície do mundo externo” descreve Mario Perniola (2004 ; em relação à forma de realismo psicótico, que tem uma o “fora” como obsessão, identificado por Schøllhammer como uma estética afetiva, com sua necessária dimensão participativa, que “opera por meio de singularidades afirmativas e criativas de subjetividades e inter-subjetividades afetivas” (2005, p. 219). Esta dimensão não é inviabilizada pelo ato autobiográfico, pois o discurso aqui é questão se relaciona com um “eu” que só existe em contato com o outro, com a existência de uma comunidade, da família, de amigos, de objetos, de artistas e de espaços. Trata-se de uma negociação permanente de subjetividades, onde, para que o filme aconteça é preciso tanto o desejo de quem filma quanto o desejo de quem é filmado, essa é a condição, é seu investimento fundador: a existência de uma comunidade sensível, estética e imanente. ”Filme-diário para acabar com os filmes-diário” segundo o cineasta Eduardo Coutinho, As I Was Moving mostra que o cinema pode ser uma poderosa ferramenta de se colocar esteticamente no mundo, fora das roteirizações narcisistas, transitando entre o documentário e a vanguarda, criando um modo de visibilidade por que se afasta da representação, indo em direção a uma duração dos substantivos comuns do cotidiano. |
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Bibliografia | BLANCHOT, Maurice. O Livro Por Vir. Martins Fontes: São Paulo, 2005
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