ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O pornográfico no cinema de arte |
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Autor | Rodrigo Gerace |
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Resumo Expandido | O cinema pornográfico sempre foi considerado um “crime estético”. Pois ao levar à cena o obsceno, a imagem pornográfica trz à tona o desejo interdito que, na tela, se liberta na forma de transgressão. Trata-se, contudo, de uma transgressão visual. Como observou Sontag (1987, p. 54), “as experiências não são pornográficas, as imagens e as representações é que o são”. Assim, as imagens do primeiro cinema pornográfico nascem sob o signo do tabu e da interdição, da transgressão e da perversão. Porém, uma outra visão é reservada ao cinema erótico, considerado com menos preconceito e apreciado por seu valor cultural, aspiração artística e forma estética. Essa barreira moral sutilmente erguida entre a imagem erótica e a pornográfica embaralha percepções de acordo com o contexto histórico na qual se projetam.
Em termos gerais, a imagem erótica é aquela em que o desejo sexual é representado dentro de um contexto dramático e narrativo. Mesmo quando procura o realismo não é saturada nem explícita, apostando na simulação. Ela instiga o desejo através da imaginação do sexo, potencializando o obsceno sem mostrá-lo, investindo no discurso alusivo e na estilização da mise-en-scène, tecendo fantasias em torno do assalto sexual, como nos filmes de Tinto Brass e Bigas Luna. Mas é nos filmes pornográficos que as maiores perversões ocorrem. Na imagem explícita do obsceno o espectador experimenta sem censura todo o desejo reprimido, todos os fetiches não realizados, todas as fantasias sexuais recalcadas. Diferente da imagem erótica, a imagem pornográfica é hiper-realista, nela não há questionamento ou mistério, e, como observou Geada (1985, p. 74), seu dispositivo assenta-se “na exacerbação dos sentidos e da verdade, (...) exige o completo despudor e a visão pormenorizada, fragmentada e ampliada. Ela não reduz o sexo ao corpo, mas reduz o corpo ao sexo”. Essa imagem mostra “sem engano” todas as fantasias das diversas sexualidades. Essas complexas distinções entre erotismo e pornografia provam que ambos os conceitos são subjetivos e principalmente culturais, modelados através da história da sexualidade e do status da arte. Tanto que hoje a pornografia é cada vez mais aceita e disseminada, inclusive no chamado cinema de arte, em filmes como Tabu, de Julio Bressane; Os idiotas, de Lars von Trier; Romance, de Catherine Breillat; Ken Park, de Larry Clark e Edward Lachman; The Brown Bunny, de Vincent Gallo; 9 Canções, de Michael Winterbottom; O pornógrafo, de Bertrand Bonello; Intimidade, de Patrice Chéreau; O fantasma, de João Pedro Rodrigues; Batalha no céu, de Carlos Reygadas; O sabor da melancia, de Tsai Ming-liang; Deite comigo, de Clement Virgo; Shortbus, de John Cameron Mitchell; no cinema de animação; e nas produções de Bruce LaBruce, Bruno Dumont, Gaspar Noé, Ludwig von Papirus, entre outros. O cinema contemporâneo é cada vez mais explícito e hiper-realista ao estilizar a pornografia no contexto dramático – fato que tomou maior dimensão a partir de 1976 com O império dos sentidos, de Nagisa Oshima, o primeiro filme de arte a trazer imagens pornográficas para o mainstream. Contudo, desde os anos de 1940 até os de 1970, já havia no cinema underground ousadas imagens limítrofes erótico-pornográficas produzidas por Jean Genet, Kenneth Anger, Gregory Markopoulos, Paul Morrissey, Andy Warhol, Vilgot Sjöman, Dusan Makavejev, Pier Paolo Pasolini, etc. A partir dos anos de 1990, as sociedades de consumo “pornificaram-se”, mostrando-se prontas para consumir todo e qualquer tipo de pornografia via internet, canais adultos, revistas e filmes do gênero. O cinema rendeu-se àquilo que o público sempre quis ver em proporções enormes: sexo e violência. Outrora maldita, a pornografia agora se difunde como programa alternativo e pretexto dramático no vale-tudo da arte pós-moderna. Confinado à sugestão do obsceno, o erotismo tornou- insosso aos olhos saturados do público contemporâneo, sendo obrigado a ceder seu lugar de prestígio à pornografia estilizada. |
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Bibliografia | ABREU, Nuno César. O olhar pornô: a representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas, Mercado de Letras, 1996.
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