ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O crepúsculo da película: considerações sobre a quarta onda de destruição |
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Autor | Silvia Ramos Gomes da Costa |
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Resumo Expandido | Os suportes cinematográficos são compostos de elementos químicos e físicos sensíveis aos altos graus de temperatura e umidade, e mesmo o uso adequado do material pode causar danos físicos, tornando muito específicas suas ações de conservação. Isso se origina da própria natureza do objeto, um produto industrial feito para ter vida útil curta e descartável, e a substituição é uma característica fundamental dos sistemas de produção industriais. No momento em que a mudança tecnológica se torna um fetiche de consumo, acelera a substituição por um produto novo e comercialmente viável, eliminando literalmente o antigo. Esse processo, ora lento, ora rápido, acarreta numa crise dentro da própria linguagem, porque junto à técnica muda-se a forma de realização, distribuição e exibição. E quando se altera essa última, altera-se a percepção espectatorial da obra. Na preservação chamam-se esses momentos de “Ondas de Destruição”.
Na história do cinema, existiram quatro ondas de destruição, nas quais novas tecnologias extinguiram antigas. Na primeira, datada de 1918, as películas, que tinham diversos tipos de bitolas, perfurações e velocidades, foram substituídas pela padronização da bitola 35 mm com quatro perfurações por fotograma e velocidade de 24 quadros por segundo. A segunda aconteceu em 1932, com a impressão ótica do som junto à imagem. Na década de 50, houve a substituição do filme de suporte de nitrato pelo de acetato não inflamável. E hoje vivemos a quarta, em que o cinema digital substitui gradativamente o cinema de película. Colecionar a obra no seu suporte original ou de difusão não é o suficiente. Ver o objeto não significa ver o conteúdo. O cinema só existe na sua exibição. É preciso colecionar e conservar os equipamentos de reprodução. A experiência de assistir a um filme silencioso em velocidade e tela corretas, acompanhado de música instrumental tocada ao vivo, nos aproxima da sua experiência original e da obra como foi concebida. Mas, como são objetos desprovidos de significados que os tornem “sagrados” ou artísticos, após o fim de sua utilidade, são descartados. Também os equipamentos de reprodução não são objetos simples de manusear, principalmente se a intenção é sua conservação. São acompanhados de volumosos manuais e quem obtém todo o saber se torna um especialista. Perder um desses saberes é não conseguir nunca mais manipular o objeto e assistir à obra. Salvaguardar os saberes técnicos intrínsecos da produção do filme é fundamental na reprodução correta da obra cinematográfica, inclusive durante sua restauração. É preservar a estética e o pensamento do bem cultural. No momento da restauração, mais do que o acúmulo de deteriorações e o inevitável envelhecimento, não poder migrar para o suporte original torna a recuperação da obra um caminho de dúvidas. Diferentemente de outros bens culturais, o cinema é restaurado durante a feitura de cópias novas, o que chamamos de transcrição. Alguns restauradores questionam o próprio termo ‘restauração de filmes’, já que, ao alterar a tecnologia, a nossa percepção da cinematografia também é alterada. Podemos ter acesso ao conteúdo do documento histórico, mas não reenvocamos os valores culturais e estéticos que a tecnologia imprime à obra. Num mundo sem película, temos o fim da experiência cinematográfica nascida em 1895, substituída pelo arquivo digital que, na sua própria matriz técnica, se denomina como obsoleto e frágil. A tecnologia digital não promove uma memória transgeracional, não garantindo a própria preservação e o acesso a suas obras. |
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Bibliografia | AMO, A. Crisis de Conservación. Oleadas de Destrucción. Comunicação oral apresentada no FIAT/ IFTA World Conference, Madri, 28 de outubro de 2006.
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